sexta-feira, 25 de setembro de 2015

"O sonho do Kaiser", José Nunes da Mata // "The Kaiser's Dream", Jose Nunes da Matta

Este blogue Classicos da literatura infanto-juvenil portuguesa // Portuguese children's/juvenile lit classics tem trazido "à ribalta" (se é que referências neste obscuro blogue são trazer "à ribalta") muitos ilustres desconhecidos da nossa literatura. Agora novamente vamos trazer um. Mas para começar algumas palavras: em Portugal tem-se uma visão bastante restrita do que deve ser a literatura. Não de como deve ser boa literatura, de como a literatura deve ser. Um crítico defende uma estilística ou outra; realista, e nesse caso atacará todos os que não chegam a essa meta, ou não-realista, e atacará todos os que forem estritamente realistas. Há a lógica não de deixar um escritor escrever como quiser e depois analisar a sua qualidade ou falta dela, mas de definir logo como "certa" ou "errada" a maneira de escrever ou a sensibilidade ou temática dele, "recompensando-a" ou "atacando-a". E depois, vê-se: fala-se da literatura portuguesa e a nossa crítica soa algo como: "é o Eça... o Camilo... o Garrett... o Herculano... o Eça... o Camilo... o Cesário Verde... o Eça... o Gil Vicente... o Camilo... o Eça... o Camilo... já disse o Eça? E o Camilo?" Hoje vemos que houve uma imensidão de escritores populares no seu tempo ou poucos anos depois, que por agora ficaram completamente esquecidos, não tanto por aquele fenómeno natural de escritores banais mas que "encaixavam" num dado gosto da sua altura que um mês depois estavam "passés", mas outro em que vários escritores (como João Correia de Oliveira, o Visconde de Moura, João Grave, Soeiro Pereira Gomes que parece só ser lembrado em conjunto com todos os outros neorrealistas ou como ícone do PCP quando é na verdade bastante legível isoladamente, Fernando Namora que é a cada década cada vez menos lido ou conhecido) eram brilhantes, mas a nossa crítica só tem capacidade para "fazer malabarismo" com uns quantos autores ao mesmo tempo, e para mais "não tem serventia".
Para além deste preconceito de correntes, esta "doença" de "amnésia literária", e lógica de "e no fim só pode haver um" que faria os espadachins do Duelo Imortal orgulhosos, a nossa crítica sofre de preconceitos enraizados contra dados géneros. Não só há para eles formas de escrever ou estéticas "certas" e "erradas", mas há géneros "certos" e "errados". Assim autores essencialmente dentro de um ou vários dos géneros "errados" (normalmente chamados pela crítica especializada "géneros menores"), automaticamente são votados a ostracismo, ou esquecimento. Entre esses géneros temos o policial, o fantástico ou fantasia, a ficção científica (estes dois últimos podendo ser associados na categoria "fantasia e ficção científica" ou "ficção científica e fantasia", ou f e fc/fc e f). Isso foi a principal razão de um autor talentoso e competente como Reinaldo Ferreira, o "Repórter X", por ser essencialmente policial, com algumas "perninhas" na fantasia e ficção científica, ficar essencialmente esquecido e mal-visto. O mesmo com ficcionistas de aventuras como Roussado Pinto. E quando escritores que são considerados "dignos" entram nesses géneros, o seu trabalho nesse género é esquecido e fala-se como se fossem "dignos" apesar de tal trabalho: Saramago (fora o seu início na literatura neorrealista) escreveu quase toda a sua obra dentro do género da fantasia e ficção científica (sendo romance histórico, O Memorial do Convento é uma obra com presença do fantástico do dom de visão de Blimunda, Ensaio Sobre a Cegueira é bem um cenário de ficção científica apocalítica disfarçado pelo barroquismo da linguagem e da pontuação de livro 'alegórico sério', A Jangada de Pedra parte de um cenário de desastre digno de ficção científica mas focando-se mais no pós-desastre e na sobrevivência e na vida a assumir nova normalidade e rotina, As Intermitências da Morte parte de a Morte tirar férias e deixar-se de se morrer de todo, etc.), mas claro que ninguém referirá isso e disfarçam o zero realismo das obras e da sua proximidade de obras de ficção científica pulp com palavrões como "alegoria", "realismo maravilhoso", "fabulesco" e comparações com supostas obras e autores que se possam referir como influências mais "respeitáveis" para o Nobel, porque o único Nobel da Literatura Português até agora não pode ser um Nobel da fantasia e ficção científica; e a ligação do bastante respeitado José Cardoso Pires com o policial (O Delfim, Balada da Praia dos Cães, ambos adaptados a cinema) é quase sempre só referida pelos fãs deste género. Embora haja desde os anos de 1980 tentativas de 'respeitabilização' do fantástico na nossa crítica literária, e desde a década seguinte para o policial, e ainda se esteja a começar a fazer o mesmo quanto à ficção científica e a literatura de aventuras, em traços largos ainda não se deu grande diferença na abordagem destes géneros, e quando surgem, por exemplo, cursos universitários sobre estes, tendem a ser contraproducentes (com nomes auto-insultuosos como "Estudo de Literaturas Marginais").
Tudo isto a propósito de nos apresentar a outro ilustre desconhecido que sofreu não só da mudança de modas literárias mas da incapacidade de criação de cânones alargados pela nossa crítica literária e da sua ligação a géneros "menores". José Nunes da Mata (1849-1945; pela grafia da sua época "Matta") era um Republicano Português, um homem da marinha, um matemático (o seu método simplificado para cálculo de trigonometria foi aplicado na França do seu tempo pela sua inovação e praticabilidade), deputado por Castelo Branco e Viana do Castelo durante a I República e um escritor conseguido, não sendo exactamente um best-seller, foi bastante popular e conseguiu ter vários dos seus livros populares com vários tipos de público: os seus livros matemáticos entre estudantes e matemáticos, os políticos entre Republicanos e activistas de vário tipo, a sua poesia com os fãs da melhor poesia do seu tempo, os seus livros sobre viagens e invenções pelos amantes de literatura de não-ficção sobre viagens e tecnologia, as suas peças de teatro sendo representadas com bastante sucesso de público e sendo muito louvadas pelos críticos da altura pela sua poesia, e uma obra que foi apresentada como "tradução" (na verdade era obra sua disfarçada de tradução de um texto perdido de um parente de balonistas setecentistas históricos Franceses) foi popular entre os nossos primeiros leitores de "romance científico" (ficção científica) do século XX, História Autêntica do Planeta Marte (1921).
José Nunes da Mata/Matta
Que razões houve para cair no esquecimento? Principalmente (fora tudo o que disse acima falando de muitos casos similares) o facto de ter cortado com o grupo dominante de Republicanos e criticado massacres e actos faccionalistas entre Republicanos (como a Noite Sangrenta de 1921, em que Republicanos de esquerda mataram membros dos Republicanos de direita então no poder), e dos Republicanos em relação às oposições católicas e monárquicas, o que lhe valeu uma queda de popularidade com os seus "confrades", e (sendo ainda um Republicano democrático que no final da vida ainda fazia uma "mole" semi-oposição de sociedade civil de impacto só local ao Estado Novo) não lhe valeu popularidade com o regime da II República, estando assim mais que esquecido pela altura em que ocorre o 25 de Abril: esquecido pelos "Republicanos Históricos", não reconhecido por socialistas, Comunistas ou anarco-sindicalistas como "um dos seus", e foi esquecido por um centro ou uma direita nascidos novos sem raízes que poderiam ter pegado nele como referência. Outra questão foi a maioria da sua obra ter sido técnica ou matemática (logo os únicos que ainda o lembraram e continuaram a consultar vagamente foram os alunos de universidades e colégios de bibliotecas mais recheadas que frequentemente conseguiam achar um dos livros técnicos ou matemáticos dele). O resto do esquecimento, foi uma normal datação dos estilos, principalmente no seu teatro e poesia (principalmente isto: já não se lê poesia tão comum e normalmente como prosa, e haver poesia narrativa ou dramática quase "a fazer vezes" de teatro, romance ou conto já é algo que não se espera de todo da literatura. Por fim, um autor que escreveu uma obra de ficção científica, várias de não-ficção que poderiam ser lidas quase como obras de aventuras de viagens só que de não ficção, e de várias obras poéticas muitas vezes com elementos de aventura ou de fantasia? A sua obra tinha "géneros menores" escrito por ela toda, logo foi olvidado pelos críticos "na boa".
Mas a literatura portuguesa não pode fazer-se, como qualquer hoje de qualquer cultura, sem narrativas memoráveis, aventuras de heróis ajudados das divindades como Os Lusíadas de Camões, narrativas das peripécias de uma sociedade burguesa como as séries de romances Comédia do Campo e Comédia da Cidade do Realista (contemporâneo de Eça) Teixeira de Queirós (sem parentesco), todo o tipo de lendas e narrativas que podem recordar a história humana, falar do seu presente ou sugerir o que será o seu futuro, e que mostre ao ser humano o que pode fazer com as suas acções, para melhor e para pior. E a obra literária de Nunes da Mata serve para nos apresentar coisas pouco comuns na nossa literatura ficcional nacional: literatura que não é "de formação", nacionalista ou sentimental. Ao publicar em 1916 o relativamente curto (na edição original com 35 páginas, na 2.ª de 1918, talvez com colunas de texto duplas por cada página, com 19) texto episódico O Sonho do Kaiser: Versos heróicos referentes à maldição do Kaiser, lançada por Deus, seu grande amigo (só o título é uma obra prima), Nunes da Mata quis parodiar o início da I Guerra Mundial, numa altura em que Portugal estava prestes a entrar (Portugal entra na guerra nesse ano), atribuindo as culpas do início da guerra ao Imperador (ou Kaiser) Alemão Guilherme II, e expondo-o ao ridículo, e incentivando os Portugueses a apoiarem uma entrada na guerra de um ponto de vista republicano (porém, aqui simulando uma posição mais sobre democracia e republicanismo, do que pelas razões principais de defesa do Império Colonial Português com fronteiras com o Império Colonial Alemão em Angola e Moçambique, e de melhorar a reputação da I República ao aliá-la numa causa com Britânicos e Franceses).
Este poema narrativo, narrado por um narrador omnisciente, mostra o Imperador Alemão dormindo depois de alguns afazeres, e sonhando que Deus, seu protector, entabula conversa com ele, e conforme a conversa avança, mais Guilherme II é uma caricatura, e mais Deus se transforma num professor severo, e mais a conversa é uma censura dura a alguém que o texto passa imagem de dever ser percepcionado como um aluno cábula. Nunes da Mata não estava sozinho neste tipo de poesia no Portugal desta altura. Veja-se abaixo dois exemplos de décimas do poeta popular Baixo-Alentejano contemporâneo de Nunes da Mata, Inocêncio de Brito abaixo:
Tirados daqui e daqui (note-se que o 2.º deve datar do fim da I Guerra todavia, pelo conteúdo do texto)
O poema de Nunes da Mata vale porém por ser mais extenso, o estilo narrativo, o estilo mais talentoso e polido, assim sendo capaz de sobreviver razoavelmente ao fim do contexto em que resultava melhor, e ao tom de propaganda exagerada, pelos graçegos e ironia, pela presença de elementos e linguagem da época que são bastante curiosos, por um ambiente de aventuras descrito quando Deus leva o Kaiser para fora do nosso mundo, numa espécie de momento à Divina Comédia de Dante, em que momentos mais excitantes de viagem através da criação são completos com outros meramente expositivos e satíricos mais aborrecidos hoje que não há Kaiser ou Grande Guerra a parodiar (embora alguns possam querer ressuscitar o texto pelo "ângulo" do anti-germanismo actual, mas eu acho isso ridículo, ainda para mais que hoje até a esquerda teme falar mal de Angela Merkel agora que ela se tornou a "mãe dos refugiados"). É claro porém que Nunes da Mata, enquanto Republicano e militar tem um profundo conhecimento da causa alemã na guerra sua contemporânea (mesmo se afectada pela sua visão politizada de republicano e pessoa anti-Potências-Centrais), para que aquilo que Deus diga ao Kaiser e este diga em resposta a Deus se coadunem com a realidade da altura (para o fim de anti-germanismo e de pró-belicismo dos Republicanos no Portugal ainda neutro, claro). O esforço de estudo das acções militares Alemãs e do seu soberano são notáveis da parte de Nunes da Mata, apesar da distorção propagandística.
Para o leitor que não conhece muito sobre Nunes da Mata, convém apontar que ele escreveu numa altura em que Portugal oscilava entre o fim da carreira dos últimos escritores ultra-Românticos (Pinheiro Chagas e afins), os escritores Realistas ou Naturalistas, uma continuidade do Romantismo chamado de neo-Romantismo (principalmente sob influência de Garrett, neste caso chamado neo-garretismo, e com alguns elementos de Simbolismo e Decadentismo), e novas correntes de influência principalmente anglo-francesa, o Simbolismo que tinha alguma proximidade estética do Romantismo mas enfatizava ainda mais o lado irrealista e do significado não literal das coisas, e o Decadentismo (que em Portugal se encontrava frequentemente fundido com o Simbolismo) que enfatizava a lógica de civilização decadente, de fin de siècle ("fim de século"), de enredar do poeta com os prazeres decadentes, um certo prazer mórbido com a morte. Assim, Nunes da Mata pode ser visto como tendo bebido de todos estes estilos, com forte influência Romântica e Simbolista, não pertencendo de forma clara a um só, sendo talvez a sua escrita melhor descrita como intensamente pessoal, e mais influenciada por um talento natural e pelas suas crenças políticas e pelos seus interesses científicos e humanísticos.
Acrescente-se ainda que foi um dos grandes autores de poesia narrativa, prosa sobre viagens e fantástico em Portugal, sendo ainda um dos primeiros autores de ficção científica no nosso país (não o primeiro, mas um dos primeiros a poder ser incontestavelmente identificado como tal, e um dos melhores dos primeiros), não propriamente uma ficção científica de previsões, mas de uso de elementos desse género para comentário social e proposta para modelo de organização social (como usual na maioria da fc mundial do século XIX e inícios do XX, excepção feita a Verne e Wells entre alguns poucos). Nunes da Mata podia bem ser erguido a "Verne Luso" de aventuras grandiosas e ficção científica "primitiva". Mas voltaremos a falar disso noutra altura. Mas pensem que, mesmo que nunca tenham ouvido falar dele ou o lido, os poucos livros, séries de TV ou filmes de ficção científica em Portugal são "trinetos ilegítimos" desconhecidos de Nunes da Mata, e das suas questões sobre "o que veremos quando chegarmos ao mais além?", questão que mesmo no mais poético/satírico/propagandístico/fantástico O sonho do Kaiser se levanta. Infelizmente este livro está só disponível na Biblioteca Nacional de Portugal (onde está erradamente registado sob o título O Sonho de Kaiser) e poucas mais mas quem estiver interessado talvez ainda possa adquirir uma cópia através da livraria-online/blogue Livreiro Monasticon. Ainda vamos a tempo de um "revivalismo" de Nunes da Mata (de preferência em edição ilustrada usando quiçá alguns dos cartazes, desenhos e postais propagandísticos magníficos da altura)?
Como este (daqui)


This Classicos da literatura infanto-juvenil portuguesa // Portuguese children's/juvenile lit classics blog has brought "to the limelight" (if it is so that references in this obscure blog are bringing "to the limelight") many illustrious unknown from our literature. Now we again are going to bring along one. But for starters some words: in Portugal it is had a rather restricted view of what lierature should be. Not how good literature should be, of how literature should be. A critic defends some stylistics or others; realist, and in that case shall attack all the ones that do not reach that end, or non-realist, and shall attack all the be strictly realistic. There is a logic of not letting the writer write as one wishes and afterwards analysing its quality or lack thereof, but of defining right-away as "right" or "wrong" the writing manner or the sensibility or thematic of them, "rewarding it" or "attacking it". And affterwards, just watch: one talks of Portuguese literature and our reviewers sound somewhat like: "it is Essa sir... Camilo sir... Garrett sir... Herculano sir... Essa sir... Camilo sir... the poet Cesario Verde... Essa sir... the playwright Gil Vicente... Camilo sir... Essa sir... Camilo sir... I already said Essa sir? And Camilo sir?" Today we see that there was an immensity of writers popular on their time or few years afterward, that now got completely forgotten, not so much by that natural phenomenon of writers banal but that "fit" on a given taste from the time-point who a month later were "passés", but another one in which several writers (like Joao Correia de Oliveira, the Viscount of Moura, Joao Grave, Soeiro Pereira Gomes who seems to only be remembered in ensemble with the other neorealists or as Portuguese Communist Party icon when it is in truth rather readable isolatedly, Fernando Namora who at each decade is each time less read or known) were brilliant, but our reviewers only have capacity to "juggle" a few authors at the same time, and for more it "does not avail to".
Besides this prejudice of currents, this "disease" of "literary amnesia", and "in the end there can be only one logic" that would make the Highlander swordsmen proud, our reviewers suffer of rooted prejudices against given genres. Not only there are for them "right" and "wrong" writing ways or aesthetics, but there are "right" and "wrong" genres. So authors essentially within one or several "wrong" genres (normally called by the specialised reviewers "lesser genres"), authomatically are voted to ostracising or oblivion. Among these genres we got the detective-mystery/crime story, the fantastical or fantasy, the science fiction (these last two being able to be associated into the "fantasy and science fiction" or "science fiction and fantasy", or f and scifi/scifi and f). That was the main reason of a talented and competent author like Reinaldo Ferreira, the "Reporter X", for being essentially on detective/mystery, with some "wallowing ins" into fantasy and science fiction, getting essentially forgotten and frowned-upon. The same with adventure fiction-writers like Roussado Pinto. And when writers that are considered "worthy" enters those genres, the labour in that genre is forgotten and it is speak of as if they were "worthy" despite such labour: Saramago (aside his beginning into the neorealist literature) wrote almost all his work inside the fantasy and science fiction genre (being historic novel, O Memorial do Convento/Baltasar and Blimunda is a work with presence of the fantastical of Blimunda's sight of vision, Ensaio Sobre a Cegueira/Blindness is quite the apocalyptic science fiction scenario disguised by the barroqueness of the language and of the punctuation as 'serious allegorical book', A Jangada de Pedra/The Stone Raft is set off out of a disaster scenario worthy of science fiction but focusing itelf more in the post-disaster and in the survival and on the life assuming new normality and routine, As Intermitências da Morte/Death with Interruptions is set off out of Death taking a vacation and it ceasing to there being deaths at all, etc.), but of course that nobody refers that and disguises the zero realism of his works and his proximity to pulp science fiction works with big words like "allegory", "marvelous realism", "fabled" and comparisons with supposed works and authors that can be refered as more "respectable" influences for the Nobel awardee, because the only Portuguese Nobel Prize in Literature thus far cannot be a fantasy and science fiction Nobel awardee; and the connection of the rather respected Jose Cardoso Pires with the detective-mystery/crime story (O Delfim/The Dauphin, Balada da Praia dos Cães/Ballad of Dog's Beach, both adapted to cinema) is almost always only refered by this genre's fans. Although there be since the 1980s attempts of 'respectabilising' of he fantastical in our literary reviewers, and since the following decade to the detective-mystery/crime story, and still is being started to be done the same about our science fiction and the adventure literature, in broad strokes it still didn't come into existence major difference in the approach to these genres, and when they come-up, for example, university courses ob these, tend to be counterproductive (with self-insulting names like "Estudo de Literaturas Marginais"/"Marginal Literatures Research").
All this apropos of introducing us to another illustrious unknown who suffered not only from the change of literary fashions but out of the inhability of creation of widened canons by our literary reviewers and from his connection to "minor" genres. Jose Nunes da Mata (1849-1945; by the period's spelling "Matta") was Portuguese Republican, a navy-man, mathematician (his simplified trigonometry calculation method was applied on the France from his time' for its inovation and pacticality), MP for Castelo Branco and Viana do Castelo during the Portuguese 1st Republic and an attained writer, not being exactly a bestseller, he was rather popular and got many of his books popular with several types of audience: his mathematical books among students and mathematicians, the political ones among Republicans and varied kind activists, his poetry with the fans of the time's best poetry, his books on travels and inventions by the lovers of non-fiction literature on travels and technology, his theatre plays being performed with quite some seats-filled success and being very praised by critics from the time for their poeticness, and one work that was presented as "translation" (in truth it was work of his disguised as translation of a lost text by a relative to French historical seventeen-hundredth baloonists) was popular among Portugal's first "scientific romance" (science fiction) readers from the 20th century, História Autêntica do Planeta Marte ("Authentic History of Planet Mars", 1921).
Jose Nunes da Mata/Matta
What reasons were there to fall into oblivion? Mainly (aside all that I said above talking on many similar cases) the fact of having cut with the dominant group of Republicans and criticised massacres and factionalist acts among Republicans (like the 1921 Bloody Night, in which leftwing Republicans killed members of the rightwing Republicans then in power), and of the Republicans in relation to the Catholic and monarchist oppositions, what owed him a fall of popularity with his "fellow Republicans", and (being still a democratic Republican that at his life's end still did a "soft" civil society semi-opposition of only local impact to the Portuguese New State) are not worth popularity on him with the 2nd Republic's regime, being so more than forgotten by the time that it occured the April 25th revolution: forgotten by his "Historical Republicans", not recognised by socialists, Communist-partisans or anarcho-sindicalists as "one of their own", and was forgotten by a centre and a rightwing born anew without roots that could have picked him up as reference. Another issue was the majority of his work having been technical or mathematical (hence the only ones that still remembered him and continued to consult him vaguely were the students of university and colleges with more stacked libraries that frequently got to find one of the technical or mathematical books of his). The rest of the oblivion, was a normal dating of styles, mainly in his theatre and poetry (mainly this: it already is not read out poetry as common and normally as prose, and there being narrative or dramatic poetry almost "doing turns" as theatre, novel or short-story already is something that is not expected at all out of literature.) At last, an author tht wrote one work of science fiction, several of non-fiction that could be read almost as travel adventure works only non-fiction, and of several poetic works many times with elements of adventure or of fantasy? His work had "lesser genres" written all over it, hence was pretermitted by the critics "nice and easy".
But Portuguese literature cannot be made, like any other culture's, without memorable narratives, adventures of heroes helped by deities like Camoens' The Lusiads, narratives of the mishaps of a bourgeois society like the novel series' Comédia do Campo ("Countryside Comedy") and Comédia da Cidade ("City Comedy") by the Realist (Essa's contemporary) Teixeira de Queiroz (not relation), all the kind of legends and narratives that can recall human history, talk on its present or suggest what could be its future, and that show to the human being what he can do with its actions, for better and for worse. And Nunes da Matta's literary work serves to present us little common things in our national fictional literature: literature that is not "Bildungsroman", nationalist or sentimental. At publishing in 1916 the relatively short (in the original edition with 35 pages, in 1918 2nd one, maybe with double text columns by each page, with 19) episodic text O Sonho do Kaiser: Versos heróicos referentes à maldição do Kaiser, lançada por Deus, seu grande amigo ("The Kaiser's Dream: Heroic verses refering to the Kaiser's curse, cast by God, his great friend"; the title alone is a masterpiece), Nunes da Matta wanted to parody the beginning of World War I, at a time that Portugal was about to get into it (Portugal gets into the war that year), attributing the faults for the war's beginning to the German Emperor (or Kaiser) William II, and exposing him to ridicule, and incentivising the Portuguese to support an entry into the war from aa republican point of view (yet, here simulating a position more on democracy and republicanism, than on the main reasons of defense of the Portuguese Colonial Empire with borders with the German Colonial Empire in Angola and Mozambique, and of improving the Portuguese 1st Republic's reputation by allying it in a cause with British and French).
This narrative poem, narratd by an all-knowing narrator, shows the German Emperor sleeping after some regular tasks, and dreaming that God, his protector, strikes-up conversation with him, and as the conversation advances, the more William II is a caricature, and more God turns himself into stern teacher, and more the talk is a hard reproach to someone from whom the text passes image of being due to be perceptioned as a truant student. Nunes da Matta is not alone in that type of poetry in that time-point. Let it be seen two examples of octosyllabic decimas by the Lower-Alentejo poet contemporary to Nunes da Matta, Inocencio de Brito below:
Taken from here and from here (let it be noted that the 2nd must date from the World War's end though, by the text's content)
Nunes da Matta's poem is worth though for being more extensive, the style narrative, the style more talented and polished, so being capable of surviving reasonably to the end of the context in which it worked better, and to the exagerated propaganda tone, due to the jests and irony, by the presence of elements and language of the time that are quite curious, by an adventure environment described when God takes the Kaiser out of our world, in a kind of moment Dante's Divine Comedy style, in which more exciting moments of travel through creation are completed by others more dull merely expository and satirical nowadays that there is no Kaiser or Great War to parody (although some might want to resurrect the text by the "angle" europan anti-germanism, but I find that ridiculous, even more so that today even the left fears to talk ill of Angela Merkel now that she became the "mother of refugees"). It is clear though that Nunes da Matta, while Republican and military has a deep knowledge of the German cause on the war contemporary of his (even if affected by his politicised view of Republican and anti-Central-Powers person), for that which God say to the Kaiser and the latter say in response to God befit with the time-point's reality (for the anti-germanism and pro-belicism of the Republicans in the Portugal still neutral, of course). The effort of study of the German military actions and of their sovereign are remarkable on Nunes da Mattta's part, despite the propagandistic distortion.
For the reader that does not know much on Nunes da Matta, it is convenient to point that he wrote at a time in which Portugal oscillated between the career end of the last ultra-Romantic writers (Pinheiro Chagas and the like), the Realist or Naturalist writers, a continuity from Romanticism called neo-Romanticism (mainly under Garrett's influence, in this case called neo-garretism, and with some elements of Symbolism and Decadentism), and new currents of influence mainly Anglo-French, the Symbolism that had some aesthetic proximity from Romanticism but emphacised even more the unrealistic side and the not literal meaning of things, and th Decadentism (that in Portugal found itself frequently fused with the Symbolism) that emphasised the logic of decaying civilisation, of fin de siècle ("end of the century"), of entangling of the poet with the decadent pleasures, a certain morbid pleasure with death. So, Nunes da Matta can be seen as having drank fromall these styles, with strong Romantic and Symbolism influence, not belonging in clear way to a single one, being maybe his writing best described as intensely personal, and more influenced by a natural talent and by his political believes and by his scientific and humanist interests.
Let it be added still tha he was one of the great authors if narrative poetry, prose on travels and fantasy in Portugal, being one of the first authors of science fiction in Portugal (not the first, but one of the first to be able to be unarguably identified as such, and one of the best from the first), not properly a science fiction of predicions, but of use of elements of that genre for social commentary and proposal for social organisation model (as usual in most of the 19th century and early-20th century worldwide scifi, exception be made to Verne and Wells among few others). Nunes da Matta could well be lifted upto "Lusitanian Verne" of gandiose adventures and "early" science fiction. But we shall come back to talk of that another time. But think on it that, even if you never heard talk of him or read him, the few science fiction books, TV series or films in Portugal are Nunes da Matta's unknown "illegitimate great-great-grandchildren", and from his questions on "what shall we see when we arrive to the further beyond?", question that even in the more poetic/satirical/propagandistic/fantastical The Kaiser's Dream it arises itself. Unfortunately this book is available only on the Portugal National Library (where it is wrongly registered under the title O Sonho de Kaiser/"The Dream of Kaiser") and few more in Portugal but who be interested maybe can acquire a copy through the online-bookstore/blo Livreiro Monasticon. We still are on time of a Nunes da Matta "revival" (preferably in edition illustrating using perhaps some of the propagandistic posters, drawings and postcards from that time-point)?
Like this one (out from here)

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

"Filha de Branco", Reis Ventura // "Whiteman's Daughter", Reis Ventura

As peripécias coloniais são frequentes, como temos visto, nas obras que têm passado pelas publicações deste blogue. Isto é compreensível dado o passado de Portugal e a forma como a colonização (ou pelo menos algum tipo de imperialismo) em geral representou o passado de muitos povos do mundo, e enriqueceu muitos povos enquanto enfraqueceu muitos outros na 'outra ponta' do processo, pelo que tornou-se um tema muito atraente para os artistas em geral, sob vários prismas. Filha de Branco (Cenas da vida de Luanda), publicado originalmente em 1960 de Reis Ventura (que já foi apresentado na 9.ª publicação deste blogue), é no espírito desses livros centrados no tema da colonização e das suas consequências negativas e positivas e dos "produtos" (até humanos) do encontro entre mundos diversos. O livro fecha uma trilogia de Reis Ventura, Cenas da Vida Em Luanda, trilogia que mostra a realidade das três classes sociais na capital da então Angola Portuguesa entre as décadas de 1920 e de 1950, um volume dedicado à classe baixa (o livro aqui em causa), outro à média e outro à alta, enquanto se começa a formar uma luta por independência numa colónia com vários problemas.
Este último livro da trilogia representa a mestiçagem racial nos bairros limítrofes de Luanda. É aí, na «vasta área» dos chamados muceques (que o autor chamava «a parte mais original da cidade», que lembra «um formigueiro humano em que caldeia a Angola do futuro»), S. Paulo, Vila Clotilde, Muceque Rangel e Casa Branca, que surge no «centro nervoso» da área a Rua de S. Paulo («Ainda não é bem cidade; e já não pode chamar-se muceque») em que lavadeiras negras aposentadas arrendavam casas a brancos a quem curiosamente chamavam de patrão quando reclamavam pela renda atrasada. Nesses bairros de transição «cheios de pitoresco e de imprevisto», com cabanas de adobe ao lado de vivendas modernas, brancos "fura-vidas" e negros culturalmente ocidentalizados (e alguns proto-nacionalistas, membros da «Liga Africana» de então), já previa o autor o fermentar de um «país luso-tropical do porvir», em que brancos e negros interagiam de formas complexas e nem sempre idílicas (note-se que Reis Ventura, apesar de defender a supremacia e domínio português até o final da vida, já anos depois da descolonização, não defendia a segregação dentro das colónias e frequentemente mostrava os brancos pobres e os negros não-de elite local como tendo de se unir para conseguirem sobreviver ante as "vistas curtas" e políticas da burocracia colonial de Luanda, mas reconhece as actividades muitas vezes de oposição, comércio, competição, orgulhos isolacionistas e desigualdades que ocupam frequentemente o lugar que a cooperação devia ter). No amadurecimento do reconhecimento da realidade africana na escrita de Portugueses de África como Reis Ventura, vemos curiosamente um escritor Português, branco, a reconhecer algo que seria parte do protesto dos nacionalistas negros contra um certo segmento da população africana: as mestiças que eram tidas como ambiciosas (terminologia usada mesmo por Reis Ventura) «que tem no sangue a turbulência dos batuques, mas só quer um branco», o que os nacionalistas acusavam como rejeição da parte negra da suas pessoas e como sujeição a uma espécie de influência da hierarquia colonial na vida amorosa e sexual.
Filha de branco não refere-se só à personagem-título em causa (e representada na capa), mas como apontava o próprio Reis Ventura na introdução, «Filha de branco» é «esta Luanda dos Muceques (...) estranha mistura de arraial minhoto e de batuque de sanzala, de mercado indígena e de feira algarvia». Relato datado mas guiado por boas intenções e uma mundo-visão que embora não desafiando a posse colonial de Angola mostra simpatia pelos indígenas e mostra uma vida colonial portuguesa com muitos problemas sociais. Este e outros textos de Reis Ventura, que não importam para aqui, mas que revelam todos a mestria do autor na narração e na escrita (que chegou até ao cinema português em A Voz do Sangue de 1966), e que mais pátina menos pátina do mundo pós-colonial (e mesmo assim há livros muito mais datados vindos já no período pós-colonial como Ilha do meio do mundo do folclorista e escritor Católico Fernando Reis, ainda saudosita colonial em pleno 1982), na discussão da lusofonia e da relação Portugal-África (que hoje parece ser como a protagonista e o Muceque, «Filha de branco, que ficou só, e de preta que não quis resistir...») serão óptimo alimento-para-pensamento. Este livro é raro em bibliotecas (nas de Barcelos e de Braga está completamente ausente, estando porém presente na Biblioteca Nacional de Portugal não só este livro, mas um livro homónimo diferente assinado pelo pseudónimo de autor/autora Lília da Fonseca).


The colonial mishaps are frequent, as we have seen, in the works that have passed by the posts of this blog. This is understandable given Portugal's past and the way how colonisation (or at least some type of imperialism) in general represented the past of many of the world's peoples, and it enriched many peoples while it weakened many others on the 'other end' of the process, for what it became a very atractive theme for the artists in general, under several prisms. Filha de Branco (Cenas da vida de Luanda) (Whiteman's Daughter (Scenes from Luanda's life)", published originally in 1960 by Reis Ventura (who had already been introduced on this blog's 9th post), is in the spirit of those books centered on he theme of colonisation and of its negative and positive consequences and of the "by-products" (even human ones) of encounters between unlike worlds. This book closes a trilogy by Reis Ventura, Cenas da Vida Em Luanda ("Scene from Life in Luanda"), trilogy that shows the reality of the three social classes on the capital of the then Portuguese Angola between the 1920s and the 1950s decade, a volume dedicated to the lower (the book here at stake), another to the middle and another to the upper class, while it started to form itself the independence struggle in a colony with several problems.
This last book of the trilogy represents the racial crossbreeding in the liminal neighbourhoods of Luanda. It is there, in the «wide area» of the so-called muceques slums (which the author called «the more original paart of the city»), Sao Paulo, Vila Clotilde, Muceque Rangel and Casa Branca, that comes-up on the «nerve centre» of the Sao Paulo Street area («It still is not quite city; and it no longer can call itself muceque slum») in which retired black washerwomen rented houses to whites to whom curiously they called boss while they complained on the late rent. In those transition neighbourhoods «full of picturesque and of unforeseeable», with adobe huts alongside modern villas, "hustling" whites and culturally westernised blacks (and some proto-nationalists, members of the «African League» from back then), already predicted the author the fermenting of a «luso-tropical country of the hereafter», in which whites and blacks interacted in complex and not always idyllic ways (let it be noted that Reis Ventura, despite defending the Portuguese supremacy and domain till his later life, already years after the Portuguese decolonisation, did not defend the segregation within the colonies and often showed the poor whites and the local non-elite blacks as having to unite themselves for being able to survive in face of the "short sights" and policies of the Luanda colonial bureaucracy, but recognises the activities many times of opposition, commerce, competition, isolationist prides and inequalities that occupy freuently the place that cooperation should have). In the maturing of the recognition of the african reality in the writing of Portuguese from Africa like Reis Ventura, we see curiously a Portuguese, white, writer recognising somthing that would be part of the protest of the black nationalists against a certain segment of the african populations: the halfbreeds that were held as ambitious (terminology used actually by Reis Ventura) «that has in the blood the turbulence of the drumbeats but, only fancies a whiteman», what the nationalists accused as rejection of the black partt of their personhoods and as suggestion to a kind of influence of the colonial hierarchy into the love and sexual life.
Whiteman's Daughter doesn't refer itself just to the title character at stake (and represented on the cover), but as pointed Reis Ventura himself in the introduction, «Whiteman's daughter» is «this Luanda of the Muceques (...) strange mixture of Minho region country-set-dance and of sanzala village drumbeat, of indigenous market and of algarvian fair». Report dated but guided by good intentions and a worldview that although not challenging the colonial possession of Angola shows sympathy for the indigenous ones and shows a Portuguese colonial life with many social problems. This and other texts by Reis Ventura, which do not matter here, but reveal to all the author's maestry in narration and in writing (which got to Portuguese cinema in A Voz do Sangue/"The Voice of the Blood" from 1966), and that more patina less patina (and even so there are books much more dated coming already in the postcolonial period like Ilha do meio do mundo/"Island from the world's end" by the folklorist and Catholic writer Fernando Reis, still colonial nostalgic in mid 1982), in the lusophony discussion and the Portugal-Africa (that today seems to be as the protagonist and the Muceque, «daughter of whiteman, who was left alone, and of black-woman who didn't want to resist...») will be great food-for-thought. This book is rare in Portuguese libraries (in the Barcelos and Braga ones it is completely absent, being though present in the Portugal National Library not only this book but a different namesake book signed by the penname of male/female author Lilia da Fonseca).

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

"História de D. Afonso de Brás, filho de Gil Brás de Santilhana", José da Fonseca // "Story of Don Alphonse Blas, son of Gil Blas de Santillana", Jose da Fonseca

Esta 37.ª obra, de 1838, resenhada no blogue Clássicos da literatura infanto-juvenil portuguesa // Portuguese Children's/Young People's Literature Classics não é uma obra plenamente original mas, novamente, uma adaptação tão solta a ponto de não fazer toda a diferença a existência de material de fonte original (o romance pícaro de 1744 de sequela do Gil Blas de Alain-René Lesage La Vie de Don Alphonse Blas de Lirias, fils de Gil Blas de Santillane, a capa de uma edição francófona de 10 anos depois da original acima, atribuído duvidosamente ao autor do Gil Blas visto que no original vinha sem indicação de autor). O gramático e escritor Português José da Fonseca (1788-1866), radicado em França desde o início do século XIX (famoso mundialmente pela falsa atribuição que o editor e o autor deram a uma pérola do humor involuntário que foi o dicionário Português-Inglês feito pelo verdadeiro autor Pedro Carolino sem qualquer conhecimento de Inglês e traduzindo de Português para Francês e de Francês para Inglês, alcunhada pelo fã Mark Twain de English As She Is Spoke, traduzido como o hilariante "Inglês Como Ela É Falou"), para além desta tradução "solta", fez ainda uma adaptação para crianças do Gil Blas original em O Gil Braz da infancia, ou Aventuras de Gil Braz compendiadas para uso dos meninos, 22 anos depois, espécie de "prequela" (como se chama a obras subsequentes a outra que se passam antes da anterior) desta.
O romance (tal como o original Gil Blas, narrado na primeira pessoa como se memórias fossem) conta a vida do filho mais novo (de 2) de um pícaro Cantábrico que subira na vida como favorito do Rei Filipe IV de Espanha e chegara a secretário do Primeiro-Ministro e através de trabalho duro e inteligência se pudera aposentar num castelo e apreciar uma fortuna ganha honestamente, com uma mulher de alta linhagem (isto apresenta o desafio usual do filho nascido em riqueza de um "homem auto-feito": terá a mesma têmpera do protegenitor que ascendeu a pulso? Que tem ele para fazer na vida, se ele próprio nasceu já "no topo"? Só esperar pela morte do progenitor e herdar?). Quando o Primeiro-Ministro Olivares cai em desgraça (por razões incluindo a Restauração da Independência portuguesa), o padrinho de D. Afonso (do mesmo nome), que é o Vice-Rei (ficcional) de Aragão, é substituído por outro mas devido ao seu bom serviço em muitos cargos é reformado nas suas terras com uma boa reforma, passando a maioria do tempo na biblioteca com a esposa amante das matemáticas, o padre local bem-lido, e um hóspede Alemão D. João de Steinbock, e falando a educar o afilhado (que trata com todas as carícias) só em Latim (a ponto de Afonso falar quase melhor Latim que Espanhol). Chegando a altura de ele se formar, ele regista Afonso na Universidade de Salamanca e envia-o com o Alemão e 2 domésticos. Aí ele passa muito tempo sem ver os pais e o padrinho (a quem pede dinheiro a pedido do Alemão quando acaba o que deu originalmente) e dedica-se com afinco ao estudo e aprende desenho e passeia com o jovem sobrinho-neto do Duque de Médina-Céli nas horas vagas. É por via deste jovem com quem acaba por conviver e convida ao castelo do seu padrinho, que conhece e ambos acabam por se ver sob a protecção (e rodeados da lisonja) de um tal de D. Cipião.
Assim a obra começa realmente, com Cipião (não uma personagem diabólica mas alguém que tenta claramente usar a associação a jovens de estatuto para seu favor) tentando "enrolar" o padrinho e pais de D. Afonso e conseguir tirar dividendos da guarda do jovem, enquanto este vai amadurecendo, fazendo pela vida fazendo uso dos dons para o desenho e o Latim, dos conhecimentos obtidos em Salamanca e aparentemente de um je ne sais quois que podemos imaginar herdado geneticamente do pai (aprendendo ainda várias outras coisas pelo caminho), num modelo que ajudou, pelo uso de modelos estrangeiros, a enriquecer a literatura portuguesa com um carácter de literatura de formação e de aventuras. Com grande força de vontade, fé, ética e uso do corpo quando necessário, depois da partida de Cipião para a América colonial espanhola, D. Afonso e o seu novo amigo Conde Pérez viajam para o México, onde se encontram com Cipião, que de Vera Cruz no centro-sul da costa mexicana se dirigira através do país, e assim vão passando o caminho em peripécias e conseguindo ludibriar Cipião e outros opositores quando necessário, para além de várias descrições vivas de pormenores etnográficos do México setecentista, incluindo curiosos festivais (um deles não sendo de facto visto pelas personagens, mas descrito por Afonso do que este aprende sobre ele de conversas com os locais).
Um episódio das aventuras de D. Cipião nas Américas
A estória evolui assim como uma espécie de versão ficcional e individualizada da criação de um novo mundo colonial para criação de riqueza de saídos da Península Ibérica (Espanhóis como Portugueses), em que D. Afonso de Brás deixa Espanha e fixa-se na América colonial e faz uma nova vida e produz nova riqueza para si, com um espírito desbravador, semi-assimilador à realidade tropical, e cristianíssima (e cristianizadora), numa variação latina do self-made man anglo-saxónico, o "homem auto-feito". Esta "tese" de redenção ou pelo menos de reformulação de um ser humano torna-se mais claro no Capítulo VII, que logo no título torna claro que é sobre «o Diabo feito Santo». Depois disso, Afonso e companhia, ao longo da sua "odisseia" ao longo do México que nos dá o retrato da América Latina colonial, confrontam um pedinte insolente bem agasalhado, e depois têm um "modesto" episódio de aventureirismo picaresco na povoação de Casa Blanca no Novo México (portanto não há aqui Marrocos nem Humphrey Bogart, embora uma personagem anti-heróica do tipo não ficasse muito fora de estilo num romance picaresco como este). Depois disso, alguém assassina o Senhor Cipião, o nosso herói descobrindo os responsáveis pelo complô, que são punidos pela justiça do Vice-Reino da Nova Espanha (o Império americano espanhol na América Central e do Norte e na Venezuela), sendo Afonso depois recompensado com a herança de um grande senhor de Guaxaca (bem no sul do México), e após mais alguns capítulos de episódios (incluindo o Capítulo XII que o título diz deixar à escolha do leitor se o lê ou passa e um Capítulo XIII que trata um pouco de vida tardia do pai do protagonista deste livro), D. Sancho e D. Afonso ajudam a salvar uma personagem secundária que conheciam de mais para o princípio do livro, o Conde de Leyva, de perigo de vida, sendo após isto que D. Afonso de Brás volta a Espanha, a Madrid, para terminar uma vida confortável depois de casar com uma viúva (casamento que, como costume para uniões nobres reais ou ficcionais, tem tanto de acto feliz como de acto socioeconómico): «Esta pobre infeliz, que não foi de algum lado das mais afligidas da morte de seu marido, não se tendo esperado que se coubesse um outro fim, ao trem de vida que conduzia, aceita com alegria a oferta de D. Afonso. Ela foi conduzida até Dom Pedro de Patilhos, que lhe fez caber uma pensão viageira, em reconhecimento que ela lhe havia rendido enquanto que ele estava em Roma.»
É tão divertido e "alimentador" da alma ler este livro, como a "prequela" do mesmo autor sobre o pai de D. Afonso de Brás, em que Gil Brás nasce na miséria a um rapaz-de-estrebaria e uma criada-de-câmara na Cantábria e é educado por um tio em Oviedo, que deixa com a idade de 17 anos, partindo para a Universidade de Salamanca, onde o seu futuro parece tornar-se risonho; uma evolução que é interrompida quando uns ladrões o forçam a ajudá-los em roubos de estrada, sendo depois capturado e enfrentando pena de cadeia que só evita tornando-se criado de um grande senhor, cargo que lhe permite passar o olhar ao longo de várias classes laicas, clericais e fora-da-leis da sociedade ao largo de vários anos, graças à sua adaptabilidade e espirituosidade rápida. Finalmente ele consegue chegar à corte e ter o final feliz e a subida na vida que já referi acima ao falar do princípio do romance sobre o seu filho. Estas duas obras ajudaram a dar o retrato do homem Ibérico pragmático, mostrando assim ser mais que somente missionário ou conquistador, que ajudaram a influenciar o modelo da ficção de aventuras e de "estudo de personagem" posterior, e também abrindo novos caminhos para a literatura europeia, latino-americana e mundial, ajudando ainda a formar muita literatura infanto-juvenil (junto com obras como o já aqui visto O Piolho Viajante, que como vimos na respectiva crítica, até referia por nome o Gil Blas ou Gil Braz original; mas em muito O Piolho Viajante também é uma "resposta" a um certo optimismo e moralismo da obra franco-hispânica que da Fonseca tornou franco-hispano-portuguesa, pelo contrário sendo mais mordaz e sarcástico). Historia de D. Afonso de Braz, filho de Gil Braz de Santilhana e O Gil Braz da infancia, ou Aventuras de Gil Braz compendiadas para uso dos meninos só se encontram na Biblioteca Nacional de Portugal e talvez algumas colecções de origem privada (embora o original francês possa ser lido no Google Livros na edição bem ilustrada de 1744 e na hemeroteca digital francesa gallica na edição de 1754 que não tem metade das ilustrações), mas a adaptação mais moderna do Gil Blas intitulada Gil Brás resolve correr mundo : aventuras de Gil Brás de Santilhana, adaptada por (Henrique) Nascimento Rodrigues para a colecção Juvenil da Portugália de 1966 surge em várias bibliotecas municipais, e nalgumas outras (mais raramente porém) surge a adaptação de Nascimento Rodrigues de outra parte deste ciclo de Lesage, O confidente : aventuras de Gil Brás de Santilhana (do mesmo ano).
  



This 37th work, from 1838, reviewed in the Clássicos da literatura infanto-juvenil portuguesa // Portuguese Children's/Young People's Literature Classics blog is not a fully original work but again, an adaptation so loose to the point of not making that much difference the existance of original source material (the 1744 picaresque sequel novel to the Gil Blas by Alain-René Lesage La Vie de Don Alphonse Blas de Lirias, fils de Gil Blas de Santillane, the cover of a francophone edition of 10 years afterwards from the original shown above, attributed doubtfully to the author of the Gil Blas seen that in the original it came without indication of the author). The Portuguese gramatician and writer José da Fonseca, established in France since the early 19th century (famous worldwide for the false attribution that the editor and author gave to the pearl of unvoluntary humour which was the Portuguese-English dictionary made by the true author Pedro Carolino without any knowledge of English and translating from Portuguese to French and from French to English, nicknamed by fan Mark Twain with the hillarious English as She is Spoke), besides this "loose" translation, did still an adaption for children of the original Gil Blas in O Gil Braz da infancia, ou aventuras de Gil Braz compendiadas para uso dos meninos ("The Gil Blas of childhood, or Adventures of Gil Blas epitomized for use of the little-children") 22 years afterwards afterwards, kind of prequel (as one calls to works subsequent to another that sets itself before the previous one) to this one.
The novel (just like the original Gil Blas, narrated in the first person as if being memoirs) tells the life of the youngest son (of 2) of a Cantabrian pícaro/rogue that had risen in life as a favourite of the King Philip IV of Spain and got to secretary fo the Prime Minister and through hard work and intelligence himself had been able to pension-off into a castle and enjoy a honestly earned fortune, with a high lineage woman (this presents the usual challenge of the son born in wealth to a "selfmade man": has he the same quenching of the progenitor that rose by its own hand? What has he to do in life, if he himelf was born already "at the top"? Just to wait for the death of the progenitor and to inherit?). When the Prime Minister Olivares falls in disgrace (for reasons including the Portuguese Restoration of Independence), the godfather of Don Alfonso (of the same name), who is the (fictional) Viceroy of ragon, is replaced by another, but due to his good service in many offices is retired in this lands with a good retirement-pension, passing the most time in the library with the wife who is a lover of mathematics, the well-read priest, and a German guest Don John of Steinbock, and talking at educating the godson (whom he treats with all the cares) only in Latin (to the point of Alfonso speaking almost better Latin than Spanish). Arriving the time for him to graduate himself, he registers Alfonso in Salamanca University and sends him with the German and 2 domestics. There he passes much time without seeing the parents and the godfather (to whom he asks for moey on request of the German when it ends the one that he gave originally) and dedicates himself with keenness to the study and learns drawing and walks-about with the young grandnephew of the Duke of Medina-Celi in the vacan hours. It is by way of this young-man with whom he ends up by being on familiar terms and invites to his godfather's castle, that he gets to know and both end by to themselves seeing under the protection (and surrounded by the flatering) of one Don Scipio.
Like-so, the work starts truly, with Scipio (not a diabolical character but someone that tries clearly to use the association to youngmen of status to his favour) trying to "entangle with" the godfather and the parents of Don Alfonso and get to take-away dividends from the keeping of the youngman, while he goes maturing, making a living out of making use of the gifts for drawing and latin, out of the knowledges obtained in Salamanca and apparently out of a je ne sais quois that we can imagine inherited genetically from the father (learning yet several other things along the way), in a model that helped, by the use of foreign models, to enrichen the Portuguese literature with a character of bildungs-roman and adventure literature. With great strength of will, faith, ethics and use of the body when necessary, after the departure of Scipio for Spanish colonial America, Don Alfonso and his new friend Count Perez travel to Mexico, where themselves hey doo meet with Scipio, that from Vera Cruz in the centre-south Mexican coast to himself did head across the country; and so passing the way in mishaps and getting to deceive Scipion and other opponents when needed,besides several lively descriptions of ethnographic detals from seventeenth-century Mexico, including curious festivals (one of them not being in fact seen by the characters but described by Alfonso from what he former learns from conversations with locals).
An episode of the adventures of Don Scipio in the Americas
The story evolves so s a kind of fictional and individualized version of the creation of a colonial new world up for the creation of wealth of ones exited from the Iberian Peninsula (Spaniards and Portuguese), into which Don Alfonso de Blas leaves Spain and settles himself in the colonial Americas and makes a new life and produces wealth for himself with a trail-blazer, semi-assimilator to the tropical reality around, and most-Christian (and christianising) spirit, in a Latin variation of the Anglo-Saxonic self-made man, the "homem auto-feito"/"hombre auto-hecho". This "thesis" of redemption or at least of reformulation of a human being becomes clearer in the chapter VII, that rightaway on the title it becomes clear that it is on «The Devil made into Saint». After that, Alfonso and company, along their "odyssey" along Mexico that to us gives the portrait of the colonial Latin America, confronts an insolent well-coated beggar, and afterwards, have a "modest" episode of picaresque adventurism in the settlement of Casa Blanca in New Mexico (hence there is no Morocco nor Humphrey Bogart, although an anti-heroic character of the type wouldn't stand very out of style on a picaresque novel like this one). Afterwards of that, someone murders Mister Scipio, our hero discovering the ones responsible for the plot, that are punished by the justice of the Viceroyalty of New Spain (the Spanish American Empire in Central and Northern America and in Venezuela), being Alfonso afterwards rewarded with the inheritance of a great lord of Guaxaca (well in the south of Mexico), and afterwards some plus chapters of episodes (including the Chapter XII that in the titles says to leave to the choice of the reader if one reads it or passes it by and a Chapter XIII that takes care of a little of the later life of the father of this book's protagonist), Don Sancho and Don Alfonso help to save a secondary character that they knew from way to the beginning of the book, theCount of Leyva, from living danger, being afterwards of this that Don Alfonso de Blas goes back to Spain, at Madrid, for finishing a comfortable life afterwards the marrying of a widow (marriage that, as usual for real or fictional noble unions, has as much of happy act as of social-economical act): «This unfortunate poor-woman, that wasn't from any side of the most afflicted by death of her husband, not herself having expcted that herself did befit another end, at the convoy of life that she drove, accepts with joy the offer of Don Alfonso. She was driven till Don Pedro of Patillos, who to her made befit a voyage pension, in recognition that she to him had paid off while he was in Rome.»
It is as fun as feeding to the soul to read this book, as the "prequel" of the same author on the father of Don Alfonso de Blas, in which Gil Blas is born in misery to a stable-boy and a chamber-maid in Cantabria and is educated by an uncle in Oviedo, that he leaves with the age of 17 years old, departing for Salamanca University, where his future seems to smile upon himself: an evolution that is interrupted when some thieves unto him force helping on highway theft, being afterwards captured and facing jail time that he only avoids becoming servant of a great lord, position that to him allows to pass his gaze throughout several lay, clerical and outlaw classes of society throughout several years, thanks to his fast adaptability and wit. Finally he can get to the royal court and have the happy ending and the rise in life that I already referred above at talking of the beginning of the novel on his son. These two works helped to give the portrait of the pragmatic Iberian man, showing so to be more than merely missionary or conquistador, that helped to influence the model of the hinder adventure and "character study" fiction, and also opening new ways for the European, Latin-American and worldwide literature, helping to form much children's/young-people's literature (together with works like the already here seen The Travelling Lice, that, as we saw in the respective review, even referred by name the original Gil Blas or Gil Braz; but in much The Travelling Lice likewise is an "answer" to a certain optimism and moralism of the French-Hispanic work that da Fonseca turned French-Hispanic-Portuguese, on the contrary being more sharp and sarcastic). History of Don Slfonso de Blas, son of Gil Blas de Santillana and The Gil Blas of childhood, or Adventures of Gil Blas epitomized for the use by the little-children only do find themselves in the Portugal National Library and maybe some collections of private origin (although the French original may be read on Google Books in the 1744 well illustrated edition and in the French digital newspaper-library Gallica in the 1754 edition that does not have half of the illustrations), but the more modern adaptation of the Gil Blas entitled Gil Brás resolve correr mundo : aventuras de Gil Brás de Santillana ("Gil Blas sorts-out to race-out world : adventures of Gil Blas de Santillana"), adapted by (Henrique) Nascimento Rodrigues for the Portugália Juvenil ("Juvenile Portugália") collection of 1966 comes-up in several Portuguese municipal libraries, and in some other ones (more rarely though) comes-up Nascimento Rodrigues' adaptation of another part of this Lesage cicle, O confidente : aventuras de Gil Brás de Santilhana ("The confidant : adventures of Gil Blas de Santillana", of the same year).
 




sábado, 5 de setembro de 2015

"O Híssope", António Dinis da Cruz e Silva // "The Hyssop", Antonio Dinis da Cruz e Silva

Imaginem este cenário: vocês são o Bispo de Elvas (no século XVIII, em que esta cidade alta-alentejana ainda era sede de uma diocese), e no cerimonial da missa falta o híssope (o instrumento que ou se mergulha na água benta e depois se vira sobre os fieis ou que se usa para aspergi-los directamente), distração que o vosso deão não notou, e depois, tomados de uma grande raiva (afinal, por interpretação excessiva da teologia e da sacralidade de tudo o que envolva a igreja, o híssope será assim "sagrado") vocês atiçam o povo contra o deão, que porém tomado de orgulho se recusa a ceder do seu cargo e da sua posição, e portanto levam o caso às mais altas autoridades, que julgam que o deão deve de facto deixar o cargo que ocupa. O deão por sua vez recusa abandonar a igreja de Elvas e com o auxílio de alguns aliados (armados) ocupam-na, obrigando as autoridades eclesiásticas e vocês, o Bispo local, a fazerem uma espécie de guerrinha pela igreja da vossa diocese e o híssope. Assim começa (especificamente, do canto I ao V), de modo tão simples como ridículo (principalmente pelo tom épico dado pelo autor ao texto), O Híssope do poeta do movimento literário da Arcádia Lusitana (que também inclui o célebre Bocage) Lisboeta de nascimento mas criado no Rio de Janeiro (depois da migração da família ainda em criança) António Dinis da Cruz e Silva.
Esta 36.ª publicação deste blogue é um poema herói-cómico (uma espécie de romance picaresco em verso que aplica o tom de um poema épico, e não raro imitando um poema épico específico) em 8 cantos e cerca de 200 páginas originalmente publicado em 1768, por um autor Luso-Brasileiro que foi poeta, dramaturgo neoclássico e mesmo autor de romance pastoril, numa obra que em qualidade e variedade lhe mereceu nota como um dos principais autores portugueses do século XVIII (e mesmo do XIX até à ascensão de Garrett, Herculano e Feliciano de Castilho). Ao longo destes cantos o autor funde a acção propriamente dita com comentários espirituosos sobre a sociedade humana, a poesia, a natureza humana e o Portugal do seu tempo, enquanto vai avançando a narrativa da guerra ridícula dentro da comunidade eclesiástica de Elvas (por esta altura, sabemos prever que, dado que a narrativa é picaresca, envolve desafios e uma fase mais disparatada da vida de dado grupo de personagens, e que pelo fim do livro esta situação terá de estar resolvida, podemos ver que estamos diante uma espécie de "romance de formação", sub-género "romance de desilusão", como outros que já vimos aqui, desta vez em verso).
A origem desta guerra, veio de uma espécie de concílio sobrenatural no estilo do dos deuses n'Os Lusíadas, desta vez com vários tipos de génios, com alegorias da Soberba, da Moda e outras qualidades e defeitos e divindades greco-romanas menores mais alegóricas, e neste concílio todas as entidades presentes discutem sobre a moda e sobre o que é certo para a prática do cerimonial eclesiástico (de um ponto de vista até mais de moda e convenção que espiritual) e tomam posição por um lado ou outro da questão sobre o híssope, e por isso decidem incentivar a guerra entre Deão e Bispo. Assim os espíritos contra o híssope decidem surgir ao Deão, a Lisonja tomando a forma de um lacaio deste Deão e incentivam-lhe a soberba (note-se a crítica, por simbolismo, aqui aplicada a pequenos eclesiásticos, ao mostrá-los manipuláveis por lisonja e passíveis de se darem à soberba; acrescente-se que o Deão foi manipulado para deixar a sua casa de campo e ocupar a igreja por influência da Senhoria, que afirma que ele a adora, outra insinuação sobre o carácter do Deão, enquanto o Bispo é incentivado à desnecessária guerra pela Excelência, sendo mais tarde rodeado pelos incentivos da Ira, Impaciência, Soberba...) e a acção que já acima indicámos, a que o próprio se compromete em pensamento em visões ao longo da noite que se segue (e que antecede o princípio da guerra sobre o utensílio de missa). Depois da ocupação do templo já referida, há uma primeira embaixada de parte a parte, em que o Bispo se encontra com o Deão.
O encontro do Deão e do Bispo, com respectivos acompanhantes
Incentivados pelos espíritos que os manipularam para este confronto (frequentemente tomando a forma de outros humanos para esse fito), o Deão humilha o Bispo mostrando ante os seus olhos o seu híssope, o Bispo reagindo com soberba à injúria decide não dar parte fraca, e assim a embaixada que se esperava diplomática e a encerrar o conflito na verdade só serve para incendiar os ânimos e fazer o confronto continuar. Tão perigosa a situação fica que o Bispo acaba por novamente deixar a cidade, enquanto esta retoma (apesar da absurda situação sobre a qual recai a igreja) alguma normalidade, voltando as suas feiras, leilões populares, os seus cantares e poetas e recitadores locais e públicos e os seus banquetes colectivos. Enquanto isso, clero e milícia são enviados para o local (para já somente para vigiar e aguardar) e uma velhota (noutra das interessantes notas de realismo e de mostra de fait-divers da vida popular setecentista) mata um montão de frangos para um dos sobre-ditos banquetes.
Combate em torno da Igreja de Elvas
Quanto à personagem do Deão, embora ele não seja apresentado como um vilão per se e fora a sua gula por doces (o que dado muitos retratos ficcionais de clérigos com gulas mais carnais não é muito negativo) e o ser facilmente susceptível à lisonja, mas ele perde-se por essa fraqueza quanto aos elogios e pela fraqueza talvez maior ante o respeito e as prendas que os companheiros de guerra seus co-conspiradores lhe dão (como se vê no Canto VII). Assim incentivado num jantar depois da saída do Bispo em liteira para fora da cidade, ele acaba por enviar um dos seus apoiantes militares, o Vidigal, para incentivar o povo a levantamento, primeiro com pouca certeza, e olhando com olhos vagos em torno esperando reacção do público ouvinte que não vinha (dado o medo que ele provocava no público com esse vago olhar), acaba por continuar o discurso com mais assumida sede de glória militar (sonhando ter antes nascido na Grécia ou Roma antigas), mas a segunda metade do discurso é ignorada na mesma e os populares simplesmente vão comer no banquete comunal que se preparava. Para surpresa de todos e principalmente dos apoiantes do Deão, o galo morto para o banquete ergueu-se para censurar o Deão, profetizando-lhe que não teria a vitória ante os contrários que esperava, e dizendo isto voltou a tombar morto (um toque que enquanto Barcelense não deixo de apreciar por razões óbvias). Com trama montada e quase terminada (está acabado o VII e penúltimo canto), o Deão, em sua casa de campo, aconselha-se com a sua ama, que como usual destas personagens incentiva cautela a uma personagem estouvada.
Como usual de qualquer obra clássica do século XVIII e XIX, o enredo tem ainda mais uns quantos subenredos, episódios menores e momentos impressionantes e todo um elenco de personagens desenhadas com traços largos mas bem delineados nos lados dos dois clérigos combatentes e entre os espíritos que provocam todo o caso, coisas interessantes para o leitor do texto inteiro mas que não há necessidade aqui de detalhar, sendo mais importante descrever o fim, em que, como conclusão irónica, que chega sem pompa e sem glória depois de tanta grandeza em pequenez quasi-épica, o Deão acorda e é avisado de que o Bispo triunfara, libertando a igreja de novo, e assim a causa do Deão era derrotada, e este Deão, ouvindo a nova, embora infeliz, não altera a sua face e figura exterior, e aceita-a como facto contrariado mas aparentemente com alguma paz de espírito dado que o conflito e os seus trabalhos acabaram (podendo nós até teorizar se ele não estará agora finalmente livre do controlo dos espíritos que o controlaram e levaram a começar toda esta história, e o mesmo com o Bispo provavelmente, apesar de ser o partido vitorioso). Quanto ao resto quanto a este rico texto, deixo ao leitor a tarefa de ver todos os pormenores em suas próprias leituras (podem encontrar o Híssope em mais de um ficheiro de mais de uma edição no Internet Archive, infelizmente nem todas usando das igualmente caricaturais e magníficas ilustrações da 1.ª edição, para além de haver este interessante vídeo promocional de uma edição actual), deixando-vos deleitarem-se a vós próprios com a fina ironia de Cruz e Silva, a sua capacidade de narrar como se manipulasse marionetas ou fantoches ante um público, os comentários mordazes que faz sobre as políticas da Igreja Católica portuguesa quanto às suas questões organizativas e sobre as políticas da monarquia ainda absoluta embora aparentemente "despotista esclarecida" ou "iluminada", e principalmente na análise da sociedade, da arte desta e de todos os tipos desta sociedade, e principalmente criticar a arte que para o autor não conseguia apresentar toda essa variedade pelas falha da escrita gongorista. A esta altura, chegando quase a 10 números para além de metade das obras a trabalhar, já devemos saber bem que a arte resulta quanto menos exageros retóricos e vazios de sentido tem e mais serve para descrever realidades (sociais, ou pelo menos de natureza humana mesmo que de entre fantasia). E ainda teremos mais oportunidades de o confirmar aqui...


Imagine this scenario: you are the Bishop of Elvas (on the 18th century, in which this upper-Alentejo city still was still seat to a diocesis), and in the mass' ceremonial it is missing the hyssop (the instrument that either is dipped into the holy water and after is turned over the faithfuls or that is used to sprinkle them directly), distracting which the dean did not notice, and afterwards , taken-over by a big rage (after-all, by excessive interpretation of the theology and of the sanctity of everything that involves the church, the hyssop would thus be "sacred") you bait-up the people against the dean, who though taken-over by pride refuses to give in to his office and to his position, and hence take the case to the highest authorities, which judged it that the dean must in fact leave the position which he occupies. The dean on his hand refuses to abandon the Elvas church and with the aid of some of his allies (in arms) occupy it, obligating the eclesiastic authorities and you, the local Bishop, to do a knd of little-war for your diocesis' church and the hyssop. So it starts (specifically from the I to the V canto), in fashion as simple as ridiculous (mainly for the epic tone given by the text's author), O Híssope ("The Hyssop") by the Lisboner by birth but raised on Rio de Janeiro (after the migration of the family still a child) poet from the Lusitanian Arcadia literary movement (which also included the celebrated poet Bocage) Antonio Dinis da Cruz e Silva.
This blog's 36th post is a mock-heroic poem (a kind of verse picaresque novel that applis the tone of an epic poem, and not uncommon immitating a specific epic poem) in 8 cantos and about 200 pages originally published in 1768, by a Portuguese-Brazilian author who was poet, neoclassical playwright and even pastoral novel author, in a work that in quality and variety deserved him notice as one of the main 18th century Portuguese authors (and even of the 19th century until the ascent of Garrett, Herculano and Feliciano de Castilho). Along these cantos the author fuses the action proper with witty remarks on the human society, poetry, human nature and the Portugal of his time, while it goes advancing on the narrative of the ridiculous war inside the Elvas eclesiastic community (by now, we known to predict that, due that the narrative is picaresque, involves challenges and a more nonsensical phase of the life of a given group of characters, and that by the end of the book that situation will have to be solved, we can say that we are before a kind of "Bildungsroman", "Desillusionsroman" subgenre, like others that we already sw here, this time in verse).
The origin of this war, came from a sort of supernatural concil in the style of the one of the gods in The Lusiads, this time with several types of genies, with allegories of Haughtiness, of Fashion and other qualities and flaws and more allegorical minor Graeco-Roman deities, and in this concil all the present entities discuss on fashion and on what is right for the practice of the eclesiastic ceremonial (under a point of view more of fashion and convention than spiritual) and take stands for one side or the other of the issue on the hyssop, and for that decide to incentivise a war between the Dean and the Bishop. So the spirits against the hyssop decide to come-up to the Dean, Flattery taking the form of a lacay of this Dean and they incentivise him the haughtiness (let it be noted the criticism, by symbolism, here applied to small churchmen, in showing them manipulable by flattery and liable to give themselves to haughtiness; let it be added that the Dean was manipulated to leave his country house and occupy the church on influence from Lordship, who states that she adores him, another insinuation on the Dean's character, while the Bishop is icentivised into the unnecessary war by Excelency, being later surrounded by incentives from Rath, Impatience, Haightiness...) and the action that already above we stated, the one that he himself compromises with in thought in visions along the night that follows (and that precedes the beginning of the war over the mass utensil). After the occupation of the tempple already refered, there is a first embassy from party to party, in which the Bishop meets with the Dean.
The meeting of the Dean and the Bishops,with respective escourts
Incentivised by the spirits that manipulate them to this clash (frequently taking the form of other humans to that aim), the Dean humiliates the Bishop showing before his eyes the hyssop, the Bishop reacting with haightiness to the reproach decides to not to show-out falling to pieces, and so the embassy which expected oneself diplomatic and to enclose the conflict in truth only serves to fire-up more to the cheers and to make the confrontation continue. So dangerous does the situation get that the Bishop ends by again leaving the city, while this return (despite the absurd situation over the which befell the church) some normality, coming back its fairs, popular auctions, its public song-tunes and local poets and reciters and his collective banquets. Meanwhile, clergy and militia are sent to the locale (for now merely to watch-over and await) and a crone (in another of the interesting notes of realism and of showing of seventeen-hundredth commoner life's fait-divers da vida popular setecentista) mata um montão de frangos para um dos sobre-ditos banquetes.
Combat around the Elvas church
About the character of the Dean, although he is not represented as a villain per se and aside his gluttony for sweets (what given many fictional portrayal of clergics with more carnal gluttonies is not too negative) and the being easily susceptible to flattery, but he loses itself for that weakness to compliments and by the weakness maybe greater before the respect and the gifts that the war buddies and his co-conspirators give him (as it is seen on the Canto VII). So incentivised on a dinner after the Bishop's exit on sedan-chair ut of the city, he ends by sending one of his military supporters, Mr Vidigal sir, to incentivise the people for uprising, first with little assuredness, and looking with vague eyes around awaiting reaction from the listening audience that did not come (given the fear that he provoked on the audience with that vague gaze), ends by continuing the speech with more assumed thirst of military glory (dreaming having instead been born in ancient Greece or Rome), but the second half ot eh speechis ignored nyhow and the commoners simply go to eat on the communal banquet that getting itself prepared. For everyone's surprise and mainly of the supporters of the Dean, the rooster killed for the banquet arose itself to censor the Dean, prophesizing him that he wouldn't have victory before the counter-strikers that he expected, and saying that he tumble down dead again (a touch that as Barcelos-native I cannot help appreciating for obvious reasons). With ploy set-up (it is ended the VII and one-to-last canto), the Dean in his country house, advises himself with his nanny, who as usual of these characters incentivises caution to a maladroit character.
As usual of any classical work from the 18th or 19th century, the plot has yet some more subplots, minor episodes and impressive moments and all a cast of characters drawn with wide but well outlined strokes on the sides of the two combatant clergymen and among the spirits that proke all the affair, things interesting for the reader of the whole text but that there is no need of here detailing it, being more important to describe the end, in which, as ironical conclusion, that arrives without pomp and without glory after so much quasi-epical greatness in smallness, the Dean wakes up and is warned that the Bishop triumphd, liberating the church again, and so the Dean's cause was defeated, and this Dean, hearing the news, though unhappy, does not alter his visage and outer figure, and accepts it as fact begrudgingly but apparently with some peace of mind given that the conflict and his labours ended (being us able even to theorise if he is not finally free from the control of the spirits that controled him and led to start all this story, and the same with the Bishop probably, despite being the victorious party). About the rest about this rich text, I leave to the reader the task of seeing all the details in their own readings (you can find The Hyssop in Portuguese in more than one file from more than one edition at the Internet Archive, unfortunately not all using he equally caricatural and magnificent 1st edition illustrations, besides there being this interesting promotional video to a current edition), leaving you delighting yourselfs with the fine irony of Cruz e Silva's, his capacity of narrating as if he manipulated string or hand puppets before an audience, the bitting comments that he does on the Portuguese Catholic Church's politics about its organisational issues and on the politics of the monarchy still absolutist although apparently "enlightened absolutist" or "despotist", and mainly in the analysis of the society, the art of the former and of all the types of society, and mainly criticising the art that for the author could not present all that variety by the flaws of the gongorist writing. At this time-point, arriving almost to 10 numbers beyond the half of works to work on, we should know well that art works as many less rhetorical exaggerations and emptinesses of meaning has and more it serves to describe realities (social, or at least of human nature even if from among fantasy). And we still will have more opportunities to confirm it here...