quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

"A Boneca Cor de Rosa", Maria Sofia de Santo Tirso // "The Pink Coloured Doll", Maria Sofia de Santo Tirso

Tal como os livros do matemático que assinou os livros infantis Alice no País das Maravilhas e Alice do Outro Lado do Espelho sob o pseudónimo de Lewis Carroll frequentemente não caiem no gosto dos leitores (pelo menos nas suas versões completas) por ser trabalhosa a tarefa de ler e entender (apesar do charme de nos mostrarem mundos novos e que se questionam a si próprios, e às nossas expectativas e noções), com até autores letrados (como Teolinda Gersão) a admitirem por vezes terem um grande desgostar da Alice, e tal como como tudo o que se associe com essa obra cria grande discussão mesmo entre fãs dela (lembre-se a grande discussão que havia em torno da sequela do livro original feita pelo filme homónimo de Tim Burton mesmo antes da estreia), muito disso mesmo se poderá aplicar a esta outra obra, agora portuguesa e injustamente esquecida, que tratamos nesta publicação. Até o prefácio da obra por Maria Amália Vaz de Carvalho (uma figura culturalmente influente de meados-final do século XIX e uma espécie de decana ou 'madrinha' da literatura infanto-juvenil, apesar de só ter sido autora de duas obras de contos suas, uma co-escrita com o marido, o poeta mulato Luso-Brasileiro Gonçalves Crespo, tendo ela porém escrito imensos prefácios para obras doutros, e ajudado à promoção de novas obras com a sua aprovação, o que valeu a Maria Amália Vaz de Carvalho dar nome a um prémio para este tipo de literatura que existiu durante o Estado Novo) parece desculpar a estranheza (à luz da literatura infantil da época) do humor e ironia usado pela autora, tentando até 'culpar' o facto de a obra ser assim (apesar de lhe reconhecer qualidades) na juventude da autora (referindo-se a ela como «A criança» e dizendo que «tem uma imaginação extraordinariamente poderosa, que nenhum conhecimento posterior ainda contrabalança»).
Quanto à influência de Maria Amália Vaz de Carvalho na literatura infanto-juvenil do seu tempo, corte para o Tema d'O Padrinho de Nino Rota.
A autora deste livro, Maria Sofia Machado (de) Santo Tirso era de facto bastante jovem (não se sabe muito de concreto sobre ela, mas abaixo vê-se uma provável fotografia do fotógrafo Judeu Português Joshua Benoliel de uma festa de quermesse de tema japonês onde estava presente que se passou só um ano antes da publicação de A Boneca Côr de Rosa (por vezes grafado Côr-de-Rosa) em 1910 (o livro tem sido em bibliografias e estudos sobre literatura infantil que por vezes atribuíram o livro erradamente aos anos de 1916 e de 1924, devido às poucas edições posteriores à primeira que são dessas datas e à raridade de edições e informação sobre autora e obra, erro que a Internet e o catálogo em-linha da Biblioteca Nacional de Portugal vieram corrigir), o que mostra que provavelmente de Santo Tirso estava na sua adolescência aquando da escrita e publicação do livro.
Mas os comentários de Vaz de Carvalho deviam-se menos a esse facto e mais à visão pessoal desta da literatura para crianças (a idade da autora somente lhe dava uma 'justificação' que usa para paternalisticamente 'desculpar' este livro por sequer existir), pois não 'percebia' ou 'permitia' de todo na nossa literatura obras lúdicas (então em imensa minoria em Portugal), não didácticas e não edificantes (enquanto 'madrinha' da literatura infantil na altura), afirmando dos contos deste livro de colectânea que eles «não são contos úteis, não ensinam nada, não têm a pretensão de ser contos instrutivos, não servirão de compêndio para exames do primeiro grau. São absolutamente inverosímeis… são contos de imaginação pura.» Isto dito como sendo mau. Infelizmente, mesmo hoje que visões puramente pedagógicas da literatura para leitores mais jovens foram derrotadas em Portugal e pelo mundo fora, podemos dizer que este livro (que merecia ser um clássico para várias gerações de Portugueses como um Alice no País das Maravilhas da lusofonia) nunca recuperou deste facto de ter sido apoiado brandamente (e com insulto encapotado) pelo seu próprio prefácio. É já bem tempo de recuperar este livro para o seu lugar devido no "panteão" da nossa literatura infanto-juvenil e para leitores actuais.
"As meninas Luísa Salema (Avilez), Maria Sofia Santo Tirso, Maria José Santo Tirso e Maria Avilez" (reportagem "A quermesse no parque Gandarinha, em Cascais", revista Ilustração Portuguesa, N.º 193 de 1 de Novembro de 1909)
Esta obra (da qual Santo Tirso escreveu um "herdeiro espiritual" noutros livros de contos no mesmo estilo e com o mesmo sentido de humor, Era uma vez.... Contos para crianças de 1916 (por vezes confundido em estudos de literatura infanto-juvenil com A Boneca Cor de Rosa, a data deste último sendo por isso dada erradamente como 1916, e textos que só surgem aqui sendo referidos como incluídos em A Boneca Cor de Rosa), Alegre-a-linda, e outros contos para crianças de Portugal de 1922 (confundida como obra anterior a A Boneca Cor de Rosa por aqueles que tomam a data original d'A Boneca Cor de Rosa como 1924), e os apontamentos sentimentais Setas de pontas de oiro (planeados para impressão no Natal de 1925), foi apesar de tudo marcante no seu tempo (como prova a necessidade de um segundo livro no mesmo género do primeiro, Maria Sofia de Santo Tirso foi das principais autoras da literatura infanto-juvenil do seu tempo, apesar de uma obra completa pequena de só duas obras curtas) por se afastar da concepção já antiga da escrita de instrução e aconselhamento através de histórias escritas por uma espécie de 'ficcionista-mestre-escola' pela originalidade, ousadia, ironia e busca de diversão do seu leitor. A obra em causa é uma colectânea de contos e textos curtos com nenhuma ligação entre si fora o tom dos mesmos, um tom irónico e divertido que se vê quer nos enredos, quer nas personagens, quer na atmosfera das diversas estórias.
O livro contém, para além da estória principal que é sobre uma boneca na verdade muito pouco inanimada que é essencialmente a única coisa que não é azul num país onde tudo é azul (o filho do jardineiro de uma «princesa azul» de outro país que quer ver cravos azuis parte a cavalo para encontrar o país azul que a sua avó tinha conhecido pelo dizer da fada Melusina, personagem do folclore da Europa centro-ocidental, e depois de chegar a Lisboa o rapaz recebe de um pássaro azul uma pena para servir de passaporte para o reino azul guardado por Melusina e traz de lá os cravos que porém não alegram a «princesa azul» como esperado, até lhe ser trazida a dita boneca), e de A Menina das Estrelas (que deve algo ao estilo conto O Menino-Estrela de Oscar Wilde embora a menina loira e de olhos azuis do título, Amarilis, não seja uma figura maravilhosa caída das estrelas como o menino de Wilde mas sim uma criança comum que ante o desconhecimento do pai sobre a origem das estrelas parte pelo céu primeiro para a descobrir por si própria a patinar e depois na invenção então recente do aeroplano acompanhada do gnomo do luar D. Rui Gabriel e a estátua do Duque de Saldanha, que porém marcha em vez de patinar porque não sabe fazer a segunda, embora apanhe o aeroplano junto com os outros dois viajantes).
Ao contrário do que dizia o volume 2 do Dicionário de Literatura: literatura portuguesa, literatura brasileira, literatura galega, estilística literária de Jacinto Prado Coelho, não é em A Boneca Cor de Rosa mas em Era uma vez. . . Contos para crianças (como se pode julgar pela não inclusão na reedição de 1981) que surgem textos curtos como o apontamento Mitologia para Miúdos, que faz uma espécie de primeira introdução de crianças à mitologia grega escrita com o tom galhofeiro do resto do texto e tentando "trocar por miúdos" esta mitologia que no seu todo não "própria para menores" (se A Boneca Cor de Rosa tem só dois contos, como se vê na reedição de 1981, Era uma vez. . . Contos para crianças tem uns quantos contos até perfazerem no total mais de uma mão cheia de textos curtos; por contraponto Alegre-a-linda teria uns 20). Numa das coisas que tanto chateavam autores mais didácticos como Vaz de Carvalho em livros deste tipo, Santo Tirso trata todas as narrações deste texto como se a questão da realidade ou qualidade imaginária dos enredos contados não importasse, contando a estória simplesmente como é, ora optando por uma atmosfera de sonho, ora seguindo o estilo dos contos-de-fadas tradicionais 'genuínos', ora (como em Mitologia para Miúdos) têm a forma de texto de não-ficção sobre dado tema. Aqueles contos mais oníricos podem frustrar leitores mais 'tradicionais' por terem enredos não muito 'direitinhos' (visto que seguem lógica de sonho, e não do enredo de ficção linear mais típico e tradicional).
Ajuda a perceber melhor esta obra tendo em mente a época em que viveu e escreveu Maria Sofia de Santo Tirso (na grafia da época Maria Sophia de Santo Thyrso). Esta autora escreveu a sua primeira obra durante o maior aprofundamento da industrialização em Portugal desde que foi verdadeiramente lançada pelo Fontismo nos meados-finais do século XIX, e quando em Lisboa e Porto e por muito do país as actividades económicas do sector terciário (serviços e profissões liberais) se iam multiplicando, aumentava e fortaleciam-se as bases de uma sociedade aburguesada, começavam a diluir-se as barreiras entre uma cultura popular para leitores de classe mais "popular" (o chamado "cordel") e uma cultura popular para leitores de classe mais burguesa, começando toda a sociedade a partilhar os mesmos livros populares mainstream (separando-os claro os livros literatos/eruditos não-mainstream) e os mesmos jornais e revistas, principalmente para o crescente espaço da classe média da classe operária remedia/média-baixa à classe baixo-burguesa/média-alta. Na geopolítica, Portugal conseguira apesar de ceder inevitavelmente ao Ultimato Britânico manter um Império Colonial substancial, a Grã-Bretanha tornando-se porém o incontestável poderio mundial, e influência cultural (começando a partilhar espaço com a velha influência cultural mundial da França), em Portugal a monarquia acabava e implantava-se a República que o povo recebeu com um céptico dar de esperança depois das últimas duas décadas de decadência da Monarquia Constitucional, os 'ventos' da guerra começavam a acumular-se lenta e ainda imperceptivelmente para os Europeus, e a ascensão dos Americanos ao "palco mundial" estava para breve.
Esta era uma época de paradoxos, de expansão de Estados "à custa" de povos pré-Estatais, em que começavam a inserir-se políticas sociais de influência socialista nos regimes liberais e conservadores mesmo em monarquias e os sindicatos (então maioritariamente dominados pelo anarco-sindicalismo) começavam a fortalecer-se e organizar-se pelo mundo fora mesmo enquanto a economia (e a política) continuava(m) centrada(s) no lucro e continuava aquele industrialismo explorador dickensiano na maioria dos países (embora por exemplo nos EUA empresários como Henry Ford criassem a figura do patrão capitalista benevolente), a tecnologia evoluía quase ao ritmo da ficção científica de então e tudo parecia possível ao mesmo tempo que a sociedade continuava com vários problemas, e enquanto as crianças continuavam a ser mão-de-obra rural e industrial aceitável começava-se na cultura, imprensa e política a ponderar o papel da criança de formas diferentes.
fotografia de meados do século XX de uma Maria Sofia Cirilo Ma-
chado de Santo Tirso que pode ser a autora dese livro.
Juntemos a tudo isto a referida influência cultura inglesa (o modelo sempre presente de Lewis Carroll) e começamos a perceber de onde surgiu esta obra de Santo Tirso: a sua mistura de tradição, espírito divertido optimista e ironia e 'modernices' (pelo menos para a época) que subvertem as convenções do género do fantástico infantil da época. Assim todo este questionamento e ironia é o 'queirosianismo' de Santo Tirso, a sua forma de ironizar a sociedade e de ver a realidade do seu tempo, sendo assim que a sua obra não é só fantasia e nonsense ao alcance das crianças latinas (pegando no conceito de outra autora de nonsense infantil do século XX português Virgínia de Castro e Almeida). Embora não indo tão longe no nonsense e no desafiar dos valores do leitor como a obra carrolliana, já temos aqui um grande nível de imaginativo, de pouco usual e pouco convencional nas diversas estórias, de uma forma que a juventude da autora podemos dizer que 'ajudou', visto que vê-la evitar as convenções, os pruridos e as intenções de um autor adulto do seu tempo (principalmente das autoras femininas, que se considerava na altura que deviam criar obras "próprias" para filhos ou netos que eventualmente tivessem). Pode não ser um 'puzzle' de significações lógicas (e mesmo matemáticas e de jogos de cartas e de xadrez) tão complexo como a Alice, mas este livro pode surpreender-vos mais do que pode parecer à primeira vista. Se não é uma leitura fácil ou mais típica para leitores infantis, porém A Boneca Cor de Rosa (como Alegre-a-linda) têm o valor da sua fantasia, do seu não-convencionalismo, da sua auto-ironia e outros brilhantismos de estilo admiráveis de ver numa obra de um autor então por volta da sua adolescência, e que ainda no século XXI poderá agradar a leitores.
Este livro (principalmente nas edições mais antigas) é hoje raro em bibliotecas e alfarrabistas. Em bibliotecas municipais surge nalgumas do Porto, na Lúcio Craveiro da Silva de Braga (que tem a edição de 1981 da editora A Regra do Jogo que, com 29 páginas de texto com ilustrações de Adelaide Penha e Costa (interessantes no seu traço naïf mas detalhado e vívido simultaneamente e que usam da "moda" da época de escrita da obra para "vestir" os personagens, como se pode ver da capa acima) incluídas em quase todas as páginas e 2 páginas de intervalo, só tem o conto título e A Menina das Estrelas e na Biblioteca Municipal Alexandre O'Neill de Constância (que tem a mesma edição de 1981), para além de edições de 1910 e 1981 na Biblioteca Nacional de Portugal em Lisboa.


Like the books of the mathematician who signed the children's books Alice in Wonderland and Through the Looking Glass under the pseudonym of Lewis Carroll frequently don't fall into the liking of readers (at least in their full versions) due to being labourious the task of reading and understanding (despite of the charm of to us showing worlds new and that question to themselves, and to our expectations and notions), with even litterati authors (like Teolinda Gersão) admiting sometimes having a big disliking of the Alice, and such as with all that to itself associates with that work creates a big discussion even among fans of it (let it be reminded the big argument that there was around the sequel of the original book done by the namesake Tim Burton film even before the premiere), much of that can be applied to this work, now Portuguese and unfairly forgotten, that we treat in this post. Even the foreword of the work by Maria Amalia Vaz de Carvalho (a culturally influent figure of mid-late 19th century and a kind of dean or 'godmother' of the children's/young-people's literature, despite only having been author of two works of short-stories of her own, one co-written with the husband, the mulato Portuguese-Brazilian poet Gonçalves Crespo, having she though writen loads of forewords for works of other, and aided to the promotion of new works with her aproval, what was worth to Maria Amalia Vaz de Carvalho the naming of an award to this kind of literature that existed during the Portuguese New State dictatorship) seems to excuse the strangeness (on light of the children's literature of the period) of the humour and irony used by the author, trying even 'to blame' the fact of the work being so (despite recognizing it qualities) on the author's youth (refering to her as «The child» and saying that «[she] has an extraordinarily powerful imagination, that no hinder knowledge still counterbalances»).
About Maria Amalia Vaz de Carvalho's influence in her period's children's/young-people's literature, cut to Nino Rota's The Godfather theme.
The author of this book, Maria Sofia Machado (de) Santo Tirso was in fact rather young (it is not known much of concrete on her, but below it is seen a likely photograph of the Portuguese Jewish photographer Joshua Benoliel of a kermis party of Japanese theme where she waspresent that transpired just one year before the publication of A Boneca Côr de Rosa (sometimes writ Côr-de-Rosa) in 1910 (the book has been in bibliographies and studies on children's literature that sometimes atribute the book wrongly to the years of 1916 and of 1924, due to the few editions posterior to the first that are from those dates and the rarety of editions and informations on the author and the work, mistake that the internet and the online catalogue of the Portugal National Library came to correct), what shows that likely de Santo Tirso was in her adolescency around the writing and publication of the book.
But the commentaries of Vaz de Carvalho were due less to that fact and more to the personal vision of hers of the literature for children (the age of the author merely gave her a 'justification' that she uses for paternalistically 'excuse' this book for even existing), as she did not 'understand' or 'permite' at all in our literature works being ludic (then in immense minority in Portugal), not didatic and not edifying (while 'godmother' of Portugal's children's literature of the time), stating on the short-stories from this collection book that they «are not useful tales, do not teach anything, do not have the pretension of being instructive tales, shall not serve as compendium for first grade exams. They are absolutely implausible… they are tales of pure imagination.» This being said as being bad. Unfortunetely, even today that visions purely pedagogical of the literature for younger readers were defeated in Portugal and throughout the world, we can say that this book (which deserved to be a classic for several generations of Portuguese like an Alice in Wonderland from Lusophony) never recovered from this fact of having been supported blandly (and with cover insult) by its own foreword. It is already well past the time of recovering this book for its proper place in the "pantheon" of our children's/young-people's literature and for current readers.
"As meninas Luísa Salema (Avilez), Maria Sofia Santo Tirso, Maria José Santo Tirso e Maria Avilez" (reportagem "A quermesse no parque Gandarinha, em Cascais", revista Ilustração Portuguesa, N.º 193 de 1 de Novembro de 1909)
This work (of which Santo Tirso wrote a "spiritual heir" in other books of tales in the same style and with the same sense of humour, Era uma vez.... Contos para crianças from 1916 ("Once upon a time... Tales for children", sometimes confused in studies of children's/young-people's literature with The Pink Coloured Doll, he date being due to that given wrongly as 1916, and texts that only appear here being referred as included in The Pink Coloured Doll), Alegre-a-linda, e outros contos para crianças de Portugal from 1922 ("Joyful-the-beautiful, and other tales for children of Portugal" mistaken for the previous work towards The Pink Coloured Doll by those who take the original date of The Pink Coloured Doll as 1924), the sentimental notes of Setas de pontas de oiro ("Arrows with gold tips", planned for printing in the Christmas of 1925), was despite it all very marking in its time (as it proves the need of a second book of the same genre of the first, Maria Sofia de Santo Tirso was one of the main authors of children's/young-people's literature of her time, despite a small full work of only 3 or 4 short works) due to casting herself apart of the conception already ancient of the writing of instruction and advising through stories written by a kind of 'fiction-writer-schoolmaster' by originality, daring, irony and the search of amusement of her reader. The work at case is a collection of short-stories and short texts with no connection amongst themselves aside the tone of said stories, an ironical and fun tone that sees itself both in the plots, and in the characters, and in the atmosphere of the diverse stories.
The book contain, besides the main story that is about a doll in truth very little inanimate that is essentially the only thing that is not blue in a country where everything is blue (the son of the gardner of a «blue princess» of another country who wants to see blue carnations departs on horse to find the blue country that his grandmother had known through the saying of fairy Melusine, character from the folklore of central-western Europe, and after arriving to Lisbon the boy receives from a blue bird a feather to serve as passport for the blue kingdom kept by Melusine and brings from there the carnations that nevertheless do not rejoice the «blue princess» as expected, until it is brought to her said doll), the one of A Menina das Estrelas ("The Little Star Girl", which owes something to the style of Oscar Wilde's The Star-Child although the blong girl with blue eyes of the title, Amarilis, is not a wondrous figure fallen from the stars like Wilde's little-boy but a common child that before the lack of knowledge of her father on the origin of the stars departs through the sky first iceskating and afterwards in the the invention then recent of the airplane accompanied by the moonlight gnome Don Rui Gabriel and the statue of the Duke of Saldanha, which though marches instead of skating because he doesn't know how to do the latter , although he catches the airplane together with the other two travellers).
Unlike what it said the volume 2 of the Dicionário de Literatura: literatura portuguesa, literatura brasileira, literatura galega, estilística literária ("Literature Dictionary: Portuguese literature, Brazilian literature, Galician literature, literary stylistics") by Jacinto Prado Coelho, it is not in The Pink Coloured Doll but in Once Upon a time. . . Tales for children (as one can judge through the non-inclusion in the 1981 reedition) that come-up short texts like the note Mitologia para Miúdos ("Mythology for Kids"), which does a kind of first introduction of children to the Greek mythology written with the banting tone of the rest of the rest of the text and trying to "shorten it for kids" this mythology that in its whole is not "proper for minors" (if The Pink Coloured Doll has only two tales, as it is seen in the 1981 reedition, Once upon a time. . . Tales for children has a couple of tales up till them making up in total more than a handful of short texts; as counterpoint Joyful-the-beautifulwould have some 20). In one of the things that so much did annoy more didatical authors as Vaz de Carvalho in books of this kind, Santo Tirso treats all the narrations of this text as if the question of the reality or imaginary quality of the plots told did not matter, telling the story simply as it is, either opting for an atmosphere of dream, either following the style of the 'genuine' traditional fairy tales, either (like in Mithology for Kids) they have the form of non-fiction text on a given theme. Those more oniric tales may frustrate more 'tradicional' readers for not having very 'straight' plots (seen that they follow dream logic, and not the one of the plot of more typical and traditional linear fiction).
Helps to understand better this work having in mind the period in which it lived and wrote Maria Sofia de Santo Tirso (in the spelling of the period Maria Sophia de Santo Thyrso). This author wrote her first work during the greatest deepening of the industrialization in Portugal since it was trully launched by the Fontes-Pereira-de-Melo-rule in the mid-late-19th century, and when in Lisbon and Oporto and throughout much of the country the economical activities of the tertiary sector (services and liberal professions) went multiplying themselves,increased and strengthened the foundations of a bourgeoining society, started to dilute themselves the barriers between a popular culture for readers of a more "popular" class (the so-called "pulp") and a popular culture for readers of more bourgeois class, starting all the literate society to share the same mainstream popular books (separating them of course the non-mainstream literate/scholarly books) and the same newspapers and magazines, mainly for the growing space of the middle class from the comfortably-off/lower-middle working class to the lower-bourgeois/upper-middle class. In geopolitics, Portugal had been able despite giving in to the British Ultimatum to keep a substantial Colonial Empire, Great Britain becoming though the uncontested world powerhouse, and cultural influence (starting to share room with the old world cultural influence from France), in Portugal the monarchy ended and it established itself the Republic that the people received with a skeptic casting of hopes afterwards the lastt two decades of decadence of the Constitutional Monarchy, the 'winds' of war started to accumulate slow and yet imperceptibly for the Europeans, and the ascent of the Americans into the "world stage" war to be near.
It was a period of paradoxes, of expansion of states "at the expense" of the pre-statal powers, in which it started to insert themselves social policies of socialist influence into the liberal and conservative regimes even in monarchies and the trade unions (then majoritarily dominated by the anarcho-syndicalism) started to strengthen and to organise themselves throughout the world even when the economy (and politics) continue(d) centered on the profiting and it continued that dickensian exploratory industrialism in the majority of the countries (although for example in the USA businessmen like Henry Ford created a figure of benevolent capitalist boss), the technology evolved almost to the rhythm of the science fiction from back then and everything seemed possible at the same time that society continued with several problems, and while the children continued being acceptable rural and industrial labor it started itself in the culture, press and politics to ponder the role of the child in different ways.
Mid-20th century photograph of one Maria Sofia Cirilo Ma-
chado de Santo Tirso who may be the author of this book.
Adding to all this the mentioned English cultural influence (the ever present model of Lewis Carroll) and we start to understand out of where came up this work of Santo Tirso: its mixture of tradition, optimist amused spirit and irony and 'modern junk' (at least for the time) that subvert the conventions of the children's fantasy genre of the period. So all this questioning and irony is the 'queirosianism' of Santo Tirso, her form of making irony out of society and of seeing the reality of her time, being so that her work is not only fantasy and nonsense to the reach of Latin children (picking up the concept of another author of children's nonsense from the Portuguese 20th century Virginia de Castro e Almeida). Although not going as far on nonsense and in the callenging of the values of the reader as the carrollian, we already got here a big level of imagining, of unusual and unconventional in the varied stories, in a way that the youthfulness of the author we can say it 'helped', seen that seeing her avoiding the conventions, the pruritus and the intentions of a grown-up author from her time (mainly the female authors, of whom it was considered at the time that they should create works "proper" for children and grandchildren that eventually they would have). It may not be a complex 'puzzle' of logical significations (and even mathematical ones and of card and chess games) as complex as the Alice, but this book may surprise you more than it may seem at first sight. If it is not an easy or more typical reading for children readers, nevertheless The Pink Coloured Doll (like Joyful-the-Beautiful) have the value of their fantasy, of their unconventionality, of their self-irony and other brilliancies of style admirable to see in a work of an author then around her adolescency, and that still in the 21st century could please to readers.
This book (mainly in the older editions) is today rare in libraries and old-book-sellers. In municipal libraries it comes up on a couple from Oporto, on the Lúcio Craveiro da Silva from Braga (which has the 1981 edition of the A Regra do Jogo publisher that, with 29 pages of text with illustrations by Adelaide Penha e Costa (interesting in their simultaneously naïf but detailed and vivid line and that used the "fashion" of the period of the work's writing for "dressing-up" the characters, as it can be seen in the cover above) and in the Alexandre O'Neill Municipal Library from Constancia (which has the same 1981 edition), besides the 1910 and 1981 editions on the Portugal National Library in Lisbon.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

"Constante Florinda", Gaspar de Pires de Rebelo // "Constant Florinda", Gaspar Pires de Rebelo

A obra setecentista que o blogue Clássicos da literatura infanto-juvenil portuguesa // Portuguese children's/juvenile lit classics apresenta na sua quinta entrada é uma obra esquecida do cânone da literatura portuguesa, merecendo talvez ser visto (enquanto um dos romance iniciais da literatura portuguesa, modernizando o modelo de ficção que vinha dos romances helenísticos antigos, das epopeias em prosa gregas e bizantinas, dos romances de cavalaria, embora por paródia, do romance Fiammetta de Boccaccio do século XIV, dos romances pastoris e de "Arcádias", ou utopias rurais, do Renascimento e Barroco lusos e estrangeiros e do D. Quixote de algumas décadas antes, dando quiçá modelo para romances posteriores) como o Quixote da literatura picaresca setecentista de Portugal, de forma que, não fosse o facto de ser maioritariamente desconhecida mesmo no nosso país, ela provavelmente seria considerada um dos melhores romances de todos os tempos, na literatura portuguesa certamente, e porque não mesmo na mundial (o próprio autor foi um dos mais populares do seu tempo, e na altura a obra criou um furor de sucesso popular e foi imitado por muitos autores Portugueses, e quiçá até estrangeiros da época, pensando nas semelhanças entre a Constante Florinda e o Manon Lescaut do Francês Abade Prévot de 1731 e o Moll Flanders de Daniel Defoe de 1722 ou a semelhança entre a própria Florinda e a personagem de Cunégonde no Cândido, ou O Optimismo de Voltaire de 1759)?
Constante Florinda é o título abreviado de uma obra publicada em dois volumes em 1625 e 1633, Infortúnios Trágicos da Constante Florinda (que tem o terceiro, e intermédio, título abreviado Infortúnios da Constante Florinda), uma obra que narra as desventuras de um casal de jovens amantes de Saragoça, Espanha (não esqueçamos a influência mútua luso-hispânica no Renascimento e Barroco, principalmente durante a União Ibérica de 1580-1640), Florinda (então com 16 anos, a verdadeira protagonista da obra, criada pelos pais Floris e Aurélia com uma educação primorosa então reservada aos machos: línguas, músicas, esgrima e equitação) e Arnaldo (então com 18 anos, por quem ela se apaixona pelo clássico amor à primeira vista), que depois de uns primeiros quatro capítulos quase idílicos, com uma mistura de requinte aristocrata e libertinismo 'brando' e com classe de um quadro de Jean-Honoré de Fragonard de uns 100 anos depois (talvez O Baloiço) são separados pelo mundo e por vicissitudes no quinto, e assim ambos, cada um por seu lado, empreendem pelo resto da obra buscas através do mundo para acharem o outro.
O Baloiço (1767) de Fragonard
Ao longo do resto da obra segue-se um sequência de aventuras, desventuras, disparates e mesmo alguns infortúnios e algumas tragédias (prenunciados no título completo), enquanto a bela Florinda (não haja dúvidas ante a caracterização detalhada adjectivada de Pires de Rebelo, alternativamente grafado Pires Rebelo, que "é qualquer coisa", na forma como decalca o modelo de beleza das Vénus renascentistas: «Seu rosto era tão claro e bem corado qual cristal, e fresca rosa na maior pureza de sua perfeição. Tinha os cabelos tão fermosos que pareciam madeixas de ouro fino, e tão compridos que, estendidos, cobriam seu corpo, mostrando-se ornado com eles como se o fora de algum vestido artificial») viaja pelo mundo, mudando constantemente de nome, de roupagens e mesmo de sexo aparente (por vezes travestindo-se de homem para ultrapassar as limitações do estatuto de mulheres sozinhas no mundo naquele tempo) vai de paragem em paragem (de Saragoça, a Braga, a Lisboa, à Índia, através de Espanha, a França, à Grã-Bretanha, a Itália e ao Norte de África), ficando sempre conhecida porém ao longo de todas as paragens do enredo como «a Constante», pelo amor fiel que mantém pelo seu Arnaldo e pela busca constante por ele (ainda mais impressionante porque ela não tem grande esperança de o encontrar e continua mais por fidelidade resoluta), por quem sofre e busca ao longo de 40 capítulos. Neste clima de comédia do picaresco e do absurdo misturada com alguma melancolia e visão do mundo estoica (aí iremos), ao longo de vários episódios que 'arrastam' o leitor com o talento narrativo e grande cultura de Pires de Rebelo o que sobressai é sempre a nobre pureza de mente de Florinda, «a Constante» e a reciprocidade do bravo Arnaldo, que 'toma controlo' da segunda parte (nas edições originais, segundo volume) do texto, em que é ele que procura por Florinda, tão incansável e duramente como ela (mesmo assim não disputando o foco quase proto-feminista do clássico esquecido setecentista na protagonista feminina). O humor no texto reforça-se pelo estilo em que o livro é narrado: a várias vozes, por vezes até inserindo cartas das personagens no texto principal, com até a linguagem de época hoje vista como incomum e os costumes sociais hoje datados a ajudarem a um prazer lento de ironia, jogos de raciocínio e metáforas de segundo sentido.
Para além da fusão referida de humor e drama, vemos também que o texto é mais que mera comédia mesmo na sua faceta humorística, visto que o livro simultaneamente busca satirizar os romances românticos e pastoris (como D. Quixote buscava satirizar os romances de cavalaria), satirizar a sociedade, as crenças e ideais desta, para louvar os indivíduos em busca da sua liberdade e felicidade contra essa sociedade por vezes hostil a eles, o que se nota principalmente na primeira parte/volume do livro, e para além de satirizar, o livro almeja também deleitar e ensinar, para "mover" os leitores para agirem mais sabiamente ante os sofrimentos da vida tendo "aprendido" com o enredo. Isto sobressai especialmente na segunda parte/volume (que tem surpreendente união estilística e de tom com a primeira tendo em conta que segundo alguns foi só uma continuação escrita por causa da popularidade do volume originalmente pensado como único, com foco só na busca de Florinda), em que, com a busca de ambos através do mundo a continuar (agora mais focado no lado da busca de Arnaldo, claro), e o reencontro final de ambos em Florença, surge no texto e na sua visão do mundo mais algum idealismo e crença na nobreza de espírito, contrastando-se mais claramente a nobreza dos amantes com os infortúnios trágicos que sofrem da parte de um mundo mais infame que eles, mas sem recusar totalmente a sociedade da época e a religião católica dominante da época (obviamente, o que seria uma opção perigosa na altura).
Assim Pires de Rebelo "fica-se" por um ponto de vista misturando moralismo e libertinismo (apesar de essencialmente desafiar preconceitos e tabus). Pires de Rebelo faz isso sem recusar o cristianismo mas porém preferindo a ética estóica (uma ética originária da Grécia Antiga para uma vida livre, feliz e sábia que aconselha a vida de acordo com a "lei racional" da natureza, sem emoções e decisões destrutivas precipitadas, com uma indiferença controlada em relação ao que é externo ao ser como alternativa, reconhecendo-se a pessoa que quer viver mais sabiamente como parte de uma grande ordem do universo, de acordo com a razão "natural", sem se controlar pelas paixões e suportando a parte dolorosa da existência com dignidade e sabedoria), como se vê na forma como o casal protagonista aguenta a sua demanda longa e algo sofrida. Isto cria um choque no texto entre dois valores que são importantes para a visão do mundo do livro: por um lado o amor firme e constante de Florinda e Arnaldo é claramente virtuoso (e mais fica evidenciado que o é quanto mais choca com os erros do mundo e pela preferência do par da honra por inspiração de dito amor), mas a sensibilidade estóico-cristã do autor não deixa de ver mesmo um amor virtuoso como uma paixão 'meramente humana' que carece de perfeição divina e afecta assim o raciocínio e o bem estar dos virtuosos e constantes amantes, que são vistos como não tendo sabido ser "sábios" segundo a definição estóico-cristã do termo (gente que tenta convergir com uma suposta perfeita Razão Divina), dominando a "Fortuna" (Acaso) e submetendo-se à Providência Divina que rege o mundo. Num apontamento estético 'lateral', creio que faltou até agora o surgir de um ilustrador que consiga dar a esta obra que passa muitas décadas entre edições e que quando as têm o que texto só se acompanha de texto, o suporte gráfico que a grandeza e riqueza do texto imaginativo e digno herdeiro do brilhantismo cervantino merecem.
Mesmo em edições que juntam os dois volumes num só (têm surgido destas desde 1684), é impossível evitar a distinção clara do conteúdo vindo de ambos em enredo (quem busca quem), tom e sensibilidade, de forma que mesmo numa adaptação abreviada para público infanto-juvenil provavelmente se notaria tal diferença, mesmo que o trabalho de adaptação aproximasse os eventos e as descrições por encurtamento do texto. Um texto adaptado (que creio que não existe nenhuma hoje mas dada a antigo popularidade do texto, pergunto-me se já terá havido à 3 ou 4 séculos uma daquelas frequentes abreviações para folheto de cordel) deste tipo é algo que urge bastante para clássicos como este, que pela temática e estilo podem interessar ao público infanto-juvenil mas que pela extensão do texto original e estilo que pode ser 'grosso' para os leitores mais jovens ao primeiro encontro, pode afugentá-los a início. Neste texto em concreto, uma adaptação desse género ajudaria a acentuar os traços picarescos, cómicos e aventureiros do livro, sem prejuízo do seu lado triste e pensativo quanto aos azares do casal Florinda-Arnaldo, fonte de tantas interpretações, discussões de valor literário ou de seu realismo entre leitores adultos de vários meios desde a publicação original, mas de que no fundo só interessa que os arquétipos destas personagem continuam a andar sem fim, fieis e apaixonados em busca um do outro, na imaginação dos românticos incuráveis para os quais os amantes insatisfeitos em vida (mesmo os fictícios) têm toda a eternidade para se compensarem e terem finalmente a felicidade justamente merecida).
Edições desta obra são relativamente raras pelas bibliotecas, havendo alguma circulação acessível porém de edições da edição organizada e comentada por Nuno Júdice de 2005 (o quarto centenário do Quixote, obra com tantos pontos de união com a Constante Florinda, como Cervantes em geral influenciou a obra de Pires de Rebelo, como as picarescas Novelas Exemplares do Espanhol inspiraram uma colectânea do mesmo nome do autor da Constante Florinda) da Editorial Teorema (descrita como «uma edição histórica de um romance verdadeiramente histórico», no sentido de obra antiga historicamente e de importância histórica por razões qualitativas). Este livro merece uma oportunidade dos leitores de hoje, mesmo que não 'encaixem' muito bem hoje frases como «Os vestidos mais eram para ser laços do desejo que para ornar os delicados membros do seu corpo, porque vinha coberta de fina holanda lavrada em partes de seda preta com os remates de miúdos troçais de ouro, e não era roupa tão ávara que não presentasse à vista uns pequenos montes de neve de entre os quais tirava Cupido, com mais veemência, as penetrantes armas de Diana». E ainda estamos à espera dessas adaptações para os leitores mais jovens que este texto (como o Quixote) merece.
Capa e contra-capa da edição de 2005


The 17th-century work that the Clássicos da literatura infanto-juvenil portuguesa // Portuguese children's/juvenile lit classics blog presents in its fifth entry is a forgotten work from the canon of Portuguese literature, deserving maybe to be seen (as one of the early novel of Portuguese literature, modernizing the fiction model that came from the ancient hellenistic novels, from the Greek and Byzantine prose epics, from the chivalry novels, although by parody, from the 13th century novel Fiammetta by Boccaccio, from the pastoral and "Arcadias, or rural utopias, novels from the Portuguese and foreign Renaissance and Barroque and from the D. Quixote of some decades before, giving perhaps model for aftermost novels) as the Quixote of Portugal seventeenth-century picaresque literature, in fashion that, were it not the fact of being majorly unknown even in our country, it probably would be considered as one of the best novels of all times, in Portuguese literature certainly, and why not even in the world one (the author himself was one of the most popular of his time, and at the time created a certain popular success furore and was immitated by many Portuguese authors, and perhaps even foreigner from the period, thinking in the similarities between The Constant Florinda and the Manon Lescaut from the Frenchman Abbey of Prévot from 1731 and the Moll Flanders of Daniel Defoe from 1722 or the similarity between Florinda herself and the character of Cunégonde in the Candide, or Optimism of Voltaire from 1759)?
Constant Florinda is the shortened title of a work published in two volumes in 1625 and 1633, Infortúnios Trágicos da Constante Florinda ("Tragic Misfortunes of the Constant Florinda" which has the third, and intermediate, shortened title Misfortunes from the Constant Florinda), a work that narrates the misadventures of a couple of young lovers from Saragoza, Spain (let us not forget the mutual luso-hispanic influence in the Renaissance and Barroque, mainly during the Iberian Union of 1580-1640), Florinda (then 16 years old, the true protagonist of the work, raised by the parents Floris and Aurelia with a exquisite education then reserved to the males: languages, music, fencing and horsemanship) and Arnaldo (then 18 years old, with whom she falls in love by the classic love at first sight, that after some first four chapters almost idyllic, with a mixture of aristocrat refinement and libertinism 'meek' and with class of a Jean-Honoré de Fragonard painting from some 100 years afterwards (maybe The Swing) are separated by the world and by vicissitudes in the fifth, and so both, each one on its end, endeavor through the rest of the work to searches through the world to find the other.
The Swing (1767) by Fragonard
Throughout the rest of the work it follows itself a sequence of adventures, misadventures, nonsenses and even some misfortunes and some tragedies (omened in the full title), while the beautiful Florinda (let it not be doubts before the adjectivated detailed characterization of Pires de Rebelo, alternatively graphed Pires Rebelo, that "it sure is something", in the way how it calks the model of beauty from the Renaissance Venuses: «Seu rosto era tão claro e bem corado qual cristal, e fresca rosa na maior pureza de sua perfeição. Tinha os cabelos tão fermosos que pareciam madeixas de ouro fino, e tão compridos que, estendidos, cobriam seu corpo, mostrando-se ornado com eles como se o fora de algum vestido artificial», «Her visage was so light and well blushed like crystal and fresh rose in the greatest purity of her perfection, covered her body, showing itself primped with them like if it was it from some artificial dressing») travels through the world, changing constantly of name, of garbings and even of aparente gender (sometimes crossdressing of man for overcoming the limitations of the status of women alone in the world in that time), goes from stop into stop (from Saragoza, to Braga, to Lisbon, throughout Spain, to France, to Great Britain, to Italy and to North Africa), staying always known though throughout all stops like «The Constant-one», for the faithful love that she keeps for her Arnaldo and for the constant search for him (even more impressive because she doesn't have much hope of finding him and continues more for resolute faithfulness), for whom she suffers and searches throughout 40 chapters. In this climate of comedy of the picaresque and of the absurd mixed with some melancholia and stoic view of the world (more on that later), throughout of several episodes that 'drag' the reader with narrative talent and great culture of Pires de Rebelo's what overhangs is always the noble purity of mind of Florinda, «The Constant» and the reciprocity of the brave Arnaldo, who 'takes charge' of the second part (in the original editions, second volume) of the text, in which it's he who looks for Florinda, as untiringly as her (even so not disputing the almost proto-feminist focus of the forgotten seventeenth-century classic in the female lead). The humor in the text reinforces itself by the style in which the book is narrated: at several voices, sometimes even inserting letters of the characters in the main text, with even language of the time today seen as uncommon and the social customs today dated helping to a slow pleasure of irony, reasoning games and second meaning metaphors.
Besides the referred fusion of humor and drama, we see also that the text is more than mere comedy even in its humoristic facet, seen that the book simultaneously searches to satirize the romantic and pastoral novels (like the Don Quixote looked to satirize the chivalry novels), satirize the society, the beliefs and ideals of it, for praising the individuals in search of their freedom and happiness against that society sometimes hostil to them, what gets itself noticed mostly in the first part/volume of the book, and besides of satirizing the book aims also to delight and teach, for "moving" the readers into acting more wisely before the sufferings of life having "learned" with the plot. This overhangs especially in the second part/volume (that has surprising stylistic and tone union with the first-one holding in account that according to some it was a continuation written because of the popularity of the volume originally through as single-one, with focus in the search of Florinda), in which, with the search of both throughout the world continuing (now more focused in the Arnaldo's search, of course), and the final reencounter of both in Florence, appears in the text and in its view of world more some idealism and belief in the nobility of spirit, contrasting itself more clearly the nobility of the lovers with the tragic misfortunes that they suffer on the part of a world more infamous than them, but without refusing totally the sociewty of the period and the dominant Catholic religion from the period (obviously, what would be a dangerous option for the author in the time).
So Pires de Rebelo "sticks itself" by a point of view mixing moralism and libertinism (despite of essentially challenging prejudices and tabus). Pires de Rebelo does that without refusing Christianity but yet preferring the stoic ethic (an ethic originary from Ancient Greece for a free, happy and wise life that advices life in agreement with the "rational law" of nature, without emotions and destructive rushed decisions, with a controlled indifference in relation to what is external to the being as alternative, recognizing itself the person that wants to live jore wisely as part of a great order of the universe, in agreement with the "natural" reason, but without controlling itself by passions and bearing the painful part of the existence with dignity and wisdom), as it's seen in the way how the protagonist couple bears its long and somewhat suffered quest. This creates a clash in the text between two values that are important for the view of the world of the book: on one hand the firm and constant love of Florinda and Arnaldo is clearly virtuous (and more it stays made evident that it is so the more it clashes with the errors of the world and by the preference of the pair for honor by inspiration of said love), but the stoic-Christian of the author does not cease of seeing even a virtuous love as a 'merely human' passion that lacks of divine perfection and affects so reasoning and the well being of the virtuous and constant lovers that are seen as not having known to be "wise" according to the stoic-Christian definition of the term (people that try to converge with a supposed perfect Divine Reason),m dominating the Fortune (Chance) and submiting itself to the Divine Providence that manages the world. In a 'sideline' aesthetic note, I judge that it lacked so far the coming-up of an illustrator that can give to this work what passes many decades between editions and that when there is them the text only accompanies itself of text, missing the graphical support that the greatness and richness of the imaginative text and worthy heir of the cervantine brilliance deserve.
Even in editions that join the two volumes in one (it have appeeared of these ones since 1684), its impossible to avoid the clear distinction of the context coming from both in plot (who searches who), tone and sensibility, in way that even in a shortened adaption for the children's-juvenil audience probably it would notice itself such difference, even if the adaptation work neared the events and the descriptions by shortening of the text. An adapted text (that I judge that didn't exist any today but given the former popularity of the text, I ask myself if there already had been at 3 or 4 centuries ago one of those frequent abbreviations for chapbook flyer) of this type is something that urgently lacks enough for classics like this, that by the thematic and style may interest to the children's/young-people's audience but that by the extension and style of the original text may be 'thick' for the younger readers at the first encounter, may scare them away at first. In this text concretely, an adaptation of that kind would help accentuate the picaresque, comical and adventurous features of the book, without prejudice of its sad and pensive side about the bad-lucks of the Florinda-Arnaldo couple, source of so many interpretations, discussions of literary value or of its realism among adult readers of several milieus since the original publication, but of which at the bottom of it only matters that the archetypes of these characters keep walking without end, faithful and in-love in search of each other, in the imagination of the hopeless romantics for whom the lovers unsatisfied in life (even the fictional ones) have all eternity for to themselves compensate and having finally the justly deserved happiness.
Editions of this work are relatively rare throughout the Portuguese libraries, having some accessible circulation though of editions from the edition organized and commented by Nuno Júdice from 2005 (the forth centennial of the Quixote, work with so many union point with the Constant Florinda, like Cervantes in general influenced the work of Pires de Rebelo, like the picaresque Exemplary Novel of the Spaniard inspired a collection of the same name from the autor of the Constant Florinda) from the Editorial Teorema (described as «uma edição histórica de um romance verdadeiramente histórico», «a historical edition of a novel truly historical», in the sense of work historically ancient and of historical importance for qualitative reasons). This book deserves an opportunity from the readers of today, even if it does not 'fit' very well today sentences like «Os vestidos mais eram para ser laços do desejo que para ornar os delicados membros do seu corpo, porque vinha coberta de fina holanda lavrada em partes de seda preta com os remates de miúdos troçais de ouro, e não era roupa tão ávara que não presentasse à vista uns pequenos montes de neve de entre os quais tirava Cupido, com mais veemência, as penetrantes armas de Diana» («The dresses were more for laces of desire than for primping the delicate members of her body, 'cause she came covered of fine Holland-suede wrought in parts of black silk with the abutments out of minor twines of gold, and it wasn't clothes so avarous that it didn't present to the sight some small mounts of snow from among the which took out Cupid with more vehemence the penetrating weapons of Diana»). And we're still waiting on those adaptations for the younger readers that this text (like the Quixote) deserves.
Front-cover and back-cover of the 2005 edition

sábado, 17 de janeiro de 2015

"A Máscara Vermelha", Manuel Pinheiro Chagas // "The Red Mask", Manuel Pinheiro Chagas

É muitas vezes curioso verificar como romances passados em períodos históricos, romances esses cujos enredos já se tornaram quase confundíveis com lendas ou tradições, podem afinal apresentar personagens plenamente históricas, que são só trabalhadas pelo texto (lembre-mo-nos que Pinheiro Chagas costumava chamar aos seus romances «estudos históricos românticos»). É o que se passa com Pedro Bonete e com a Duquesa Juliana, as personagens principais deste A Máscara Vermelha de 1873, o primeiro tendo sido um verídico interveniente de uma revolta catalã contra o Estado espanhol em simultâneo com a Restauração portuguesa (Bonete já surgira referido na introdução à segunda parte doutro romance histórico popular do seu século, Luta de gigantes de Camilo Castelo Branco, autor que Pinheiro Chagas criticava por impôr o romanesco sobre o factual), e a segunda tendo sido a histórica esposa do Duque de Caminha nos tempos a Restauração (Juliana já havia entrado na efabulação ficcional através da lenda popular do Penedo da Saudade, que será dramatizada também no final deste livro, a popularidade da lenda podendo ser parte da razão da continuidade da popularidade deste livro depois da "queda em desgraça" do autor, "queda" que já referimos neste blogue). Se é certo que o leitor de um romance histórico lê por 'exercício' de conseguir separar histórico e inventado, é porém mais importante analisar a função estrutural que a história desempenha na trama do romance, ou seja, conhecer como o autor enlaça a história no mundo que inventou.
A estória, com tanto de romanesco como de factual, das duas personagens acima referidas (como narrada por Pinheiro Chagas) será continuada pelo autor já nosso conhecido M. Pinheiro Chagas no romance O Juramento da Duquesa (também de 1873), e a história da Guerra da Restauração seria concluída pelo autor no romance A Mantilha de Beatriz (publicada 5 anos depois destes outros dois livros, que porém já não mantém nenhuma das personagens dos restantes). Este é o tipo de história em que se luta "por rei e por país" (para usar uma expressão mais frequente no mundo anglófono) e se vivem aventuras contra intrigas políticas de oponentes. E muitas intrigas políticas há neste romance; como diz Pinheiro Chagas (lembrando-nos que não é o patriota acrítico da caricatura dela feita desde a sua "queda em desgraça") na introdução d'O Juramento da Duquesa, o seu objectivo não é «celebrar os grandes feitos nas campanhas da Restauração, mas de narrar os enredos da corte, as calúnias, as traições que se desenrolam no reverso desse quadro brilhante das épicas pelejas e de sobre-humanas façanhas. Mas se também isto é história, também isto é mister que se conte e não se colhe menos proveito da narrativa das fraquezas e dos defeitos dos nossos antepassados, que não são para nós amargas lições, do que da narrativas das suas virtudes e das suas glórias, que são para nós glorioso incitamento»).
Outra obra do autor já nosso conhecido Manuel Pinheiro Chagas, este romance começa com um casal em relativa felicidade conjugal, o Duque de Caminha e a sua esposa, Juliana (que tomará um papel ainda maior na trama), e como a sua vida se entrelaça com a de Pere (em Português "Pedro") Bonete. Bonete é apresentado por Chagas como um Espanhol dissimulado, violento e astuto. Quando o conhecemos, ele envolve-se com Inês Mendes (esta sim, personagem fictícia de Pinheiro Chagas), a herdeira jovem e inocente de uma família aristocrática portuguesa com propriedades em Espanha, que conhece Bonete durante uma visita a essas propriedades em Espanha. O Catalão, numa cena bem montada (lembremos a experiência de dramaturgo do autor) em descrição do cenário e preparação do que se passará, primeiro com a descrição da formosura de Inês e depois a apresentação da reacção do Bonete a esta, o Catalão acaba por desonrá-la (se me entendem o eufemismo), e pede um perdão 'frouxo' em que se diz ter sido 'vítima' de um 'feitiço' da sua beleza (nas suas palavras «Não quereis desculpar à violência do amor, que súbito me inspirastes, o excesso que fui levado a cometer?»). Inês, jovem passiva e crédula que é, não só o perdoa (acreditando no amor dele e na pureza das intenções deles mesmo depois do que lhe fez), como ainda aceita casar com ele. Nisto, vemos o confluir de dois tipos de personagens: por um lado, Inês Mendes cabe no modelo da "mulher-anjo" presente na arte do Romantismo, razão porque ela aceita o pedido de Bonete, e por outro Bonete faz-lhe o pedido porque é o arquetípico arrivista ambicioso, e a sua maior ambição é ascender socialmente e manter-se no círculo da nobreza, e que só se esforça por viver, e bem, tendo em seu poder posses e poder.
Assim, começa a montar-se a cena: por um lado a "mulher-anjo" está 'condenada' a um esposo que não lhe pode dar senão desgraças, enganos e fatalidades (recordemos que Pinheiro Chagas escrevia já depois da "idade de ouro" do Romantismo, numa altura em que este tipo de arquétipo de personagem já não era levado a sério, pelo que não só Inês não é o único tipo de personagem feminina presente no livro, como o oposto dela neste texto, Juliana, não é o arquétipo Romântico oposto da "mulher-demónio", mas antes uma mulher mais realista, forte, pragmática), enquanto que esse esposo egocêntrico, entrando no círculo da nobreza pelo casamento, conforme mais convive com a fidalguia, mais ambiciona ter a vida dela, e mesmo ter as mulheres dos membros masculinos desta classe. E através de uma corrente de intrigas e duelos de 'capa-e-espada', Bonete acaba por arriscar uma tentativa de roubo falhada à residência do Duque de Caminha pela qual é preso pelas autoridades de Portugal, depois do que, o Catalão deve ao mesmo Duque, benevolamente, a sua libertação. Após disso, o Duque permite-lhe que se aproxime da sua pessoa, e da sua intimidade, como um amigo. É assim que Bonete consegue entrar no quarto da Duquesa; antes sequer de a ver, por se fascinar com a riqueza do quarto, ele já decidiu tomá-la por amante (isto é dos episódios que mais acentuam a ganância social do Catalão, e olhem que é 'concorrência' difícil visto que são carradas de episódios ao longo do livro, e da sequela já referida, que acentuam como a riqueza atrai Pedro Bonete como a luz a uma traça). Esta decisão acentua-se quando ela entre no seu quarto e se conhecem pela primeira vez.
Pinheiro Chagas em 1875 (dois anos depois da publicação de A Máscara Vermelha)
Quando todos estes eventos vão ocorrendo, Portugal está na luta pela restauração da sua independência. Porém, o Duque de Caminha luta contra esta causa: devendo o seu título a Filipe IV de Espanha, III de Portugal, fielmente ele conspira com alguns outros nobres contra o Duque de Bragança (agora Rei de Portugal), para provocar a sua morte. A princípio, Bonete, deixando de lado o apoio à causa catalã e também à da independência de Portugal (uma das principais razões para este ter casado com Inês, para fugir junto com ela de Espanha para Portugal, e escapar assim à perseguição das autoridades hispanas durante a sua fase independentista), 'sondando' que 'proveito' poderia tirar da conspiração, junta-se a ela, mas reconhecendo que está condenada, decide tirar um outro 'proveito' da mesma: abordando a Duquesa Juliana, apela-lhe que se torne a sua amante, sob a ameaça de denunciar a conspiração do marido da Duquesa às autoridades. Depois de ela repudiar a oferta e humilhá-lo, ele procede à delação de todos os conspiradores ao secretário de Estado, Francisco de Lucena (outra personagem histórica). Apesar de várias iniciativas tomadas por Juliana ante várias autoridades reais e religiosas, ela não consegue evitar a condenação do seu marido.
O Duque de Caminha segundo a capa do romance de 1930 O Cadafalso do Duque de Caminha do romancista popular Rocha Martins
Quase todas as personagens desta intriga, como já vimos, existiram, mas note-se que Pinheiro Chagas (ao contrário do romance dele visto anteriormente, centrado no célebre vice-rei da Índia D. Francisco de Almeida, e na pouco menos conhecida estória verídica trágica do seu filho) centra-se aqui não nas figuras reconhecidamente históricas e célebres (D. João IV, Francisco de Lucena, ou mesmo o Duque traidor de Caminha), mas nas personagens e nos pontos mais obscuros da história, dos quais podemos quase duvidar que são verídicos. Ao fazer assim, Pinheiro Chagas ganha mais autonomia na criação e mais liberdade de invenção ficcional. A forma como Pinheiro Chagas ficcionaliza Juliana é notável, para um conservador que propunha que a forma de castigar mulheres revolucionárias seria não julgá-las mas somente levantar as saias e dar um bom par de açoites: como noutras personagens femininas do autor, elas podem possuir qualidades de astúcia e virilidade, e a beleza pode não ser só a de uma estátua clássica esteticamente agradável mas mais voluptuosa e carnuda, afastando-se totalmente essas personagens femininas do velho arquétipo Romântico da mulher, que frequentemente quando surge numa personagem em Pinheiro Chagas (como neste livro em Inês Mendes) não é apresentado como qualidade mas como defeito, que faz com que essas pobres 'choninhas' que têm tal perfil só tenham desgraças pela frente, sendo antes as mulheres fortes (mas femininas, no modelo que já usara Camilo Castelo Branco e que no cinema americano vintista surgiria sob a figura da "mulher hawksiana" dos filmes de Howard Hawks) que fazem de facto avançar a trama, como se vê neste livro, e na sequela O Juramento da Duquesa, em que Juliana com a ajuda do militar da Restauração D. João da Costa executa a sua vingança (este livro será, pelo menos neste blogue actual, 'saltado' por ser um pouco mais maduro, embora não propriamente impróprio para a faixa etária alvo dos livros deste blogue).
Uma das "mulheres hawksianas" por excelência, a recentemente falecida Lauren Bacall, e a Duquesa Juliana segundo uma ilustração de uma edição d'O Juramento da Duquesa do final do século XX
Ao longo deste romance surgem tramas principais excitantes e tramas secundárias interessantes, aventuras, lutas, intrigas, alguma política, heroísmo e infâmia. Aqui, a narração e os diálogos lembram-nos que estamos noutra época, em que arriscar a vida pela honra ou pelas crenças era mais natural e mesmo lícito do que aos nossos olhos nos parece. Não existem muitas edições ilustradas deste livro (ao contrário da sua sequela, que tem uma edição da Amigos do Livro, Editores, Lda. com algumas elegantes ilustrações em tons beges pálidos e laranjas pálidos), mas as que há tendem a, de forma simples mas eficiente, acompanhar e aprofundar o espírito romântico e aventureiro do livro (por vezes até esquecendo os seus lados mais trágicos).
É certo que, apesar de tudo, não encontramos neste livro a tragédia pesada e o espírito de alguma melancolia lírica do final de A Jóia do Vice-Rei (antes um espírito de alguma esperança, de que o amanhã trará o justiçar dos males), e que há espaço em A Máscara Vermelha para algum heroísmo de capa-e-espada (estilo de ficção que a maioria das pessoas desconhece que existe na literatura portuguesa) e algum optimismo mesmo na cara da infelicidade, mas não se deixa de encontrar neste romance política, não só do tempo descrito como a visão política pessoal de Pinheiro Chagas, com algumas críticas, ironias e insinuações, contra a 'submissão' (na visão do autor) da Dinastia de Bragança aos Jesuítas, e contra às intrigas cortesãs e aqueles que traem o seu país por lealdades pessoais (o que não afecta só o 'alvo óbvio' do Duque de Caminha, mas mesmo Pedro Bonete), coisas que tornarão a leitura mais deliciosa para os que lerem com olhos mais atentos, mesmo se os leitores que ao longo de décadas mais se têm deleitado com o enredo deste clássico, se tenham deliciado mais com ele, mais pelo que tem de ficcional (ou aparentemente ficcional) e aventureiro romanesco, nesta contribuição lusa ao género mundialmente célebre da 'capa-e-espada' e que no audiovisual ibérico deu origem a (infelizmente para nós, fãs de cinema) só uma adaptação de uma obra de-capa-e-espada de Manuel Pinheiro Chagas, um filme de A Mantilha de Beatriz de 1946. Para os cineastas do espaço ibero-americano e europeu, fica a sugestão, embora infelizmente a "época de ouro" deste género já tenha maioritariamente passado. Para os interessados em adaptar graficamente esta obra, a série de BD de capa-e-espada francesa (não-relacionada, excepto no título, estética da personagem-título e período histórico) A Máscara Vermelha de P. Cothias e A. Juillard pode dar um bom modelo visual para adaptações (desenhada) da prosa de Pinheiro Chagas.
Este livro pode encontrar-se em várias bibliotecas públicas, mas não se encontra em várias outras, Pode comprar-se porém aqui em formato Kindle na Amazon, encontram-se várias edições do século XX à venda em antiquários ou em sítios como o Coisas.com ou o Produto.mercadolivre.com.br, e disponível para leitura e baixa em-linha no Google Livros. Que saiba não existe edição em livro deste século, mas dado o relativo 'renascimento' da reputação e leitura de Pinheiro Chagas desde o final do século XX, poderá haver alguma num futuro não tão distante quanto isso.











It is many times curious to verify how novels set in historical periods, novels whose plots already became almost mistakeable with legends or traditions, can after-all present fully historical characters, that are worked by the text (let us recall ourselves that Pinheiro Chagas used to call his novels «historical romantic studies»). It's what transpires itself with Pedro Bonete and with the Duchess Juliana, the main characters of this 1873's A Máscara Vermelha ("The Red Mask"), the first having been the intervenient truthful of a Catalonian revolt against the Spanish state in simultaneum with the Portuguese Independence Restoration (Bonete already had come-up refered in the introduction to the second part of another popular historic novel of his century, Luta de gigantes, "Struggle of Giants" by Camilo Castello Branco, author that Pinheiro Chagas criticized for imposing the novellesque over the factual), and the second having been the historical spouse of the Duke of Caminha in the times of Portuguese Independence Restoration (Juliana already had entered in he fictional fable-mongering through the folk legend of the "Penedo da Saudade" or Penn-cliff-rock of Nostalgia, that shall be dramatized also at the ending of this book, the popularity of the legend being able to be part of the reason of the continuity of the popularity of this book after the "fall in disgrace" of the author, "fall" which we already refered in this blog). If it is certain that the reader of a historic novel reads it for 'exercise' of being able to separate historical from made-up, it's though more important to analise the structural function that history plays in the plot of the novel, that is, to known how the author tangles history in the world he made-up.
The story, with as much of novellesque as of factual, of the two above refered characters (as narrated by Pinheiro Chagas) shall be continued by the author already our acquaintance M. Pinheiro Chagas in the novel O Juramento da Duquesa ("The Oath of the Duchess", também de 1873), and the history of the 
Restoration War would be concluded by the author in the novel A Matilha de Beatriz ("The Mantilla of Beatriz", published 5 years after these two books, that yet already doesn't keep any of the characters of the remainders). This is the kind of story in which one fights "for king and country" (to use an expression more frequent in the English-speaking world) and it are lived adventures and political intrigues of oponentes. And many political intrugues there are in this novel; as it says Pinheiro Chagas (reminding us that he isn't the acritical patriot of the caricature of him done after his "fall into disgrace") in the introduction on The Oath of the Duchess, his objective is not «to celebrate the great deeds in the campaigns of the Restoration, but of narrating the plottings of the court, the slanders, the betrayals that unraveled themselves in the reversal of that shinning tableau of the epic rencontres and of preterhuman deeds. But if this too is history, also this is craft that itself be told and does not pick itself less availing of the narrative of the weaknesses and of the defects of our ancestors, that are not for us bitter lessons, than of the narrative of their virtues and of their glories, that are for us glorious incitement»).
Another work of our already acquainted Manuel Pinheiro Chagas, this novel starts with a couple in relative conjugal happiness, the Duke of Caminha and his wife, Juliana (that shall take an even bigger role in the plot), and how their life itself does entangle with the one of Pere (in Portuguese "Pedro)" Bonete. Bonete is introduced by Chagas as a Spaniard dissimulated, violent and cunning. When we know him, he involves himself with Ines Mendes (now this one, fictional character of Pinheiro Chagas'), the young and inocent heiress of a Portuguese aristocratic family with estates in Spain. The Catalan, in a well put-on scene (let's remember the experience of playwright of the author's) in description of the setting and preparation of what itself shall pass, first with the description of the fairness of Ines and afterwards the introduction of the reaction of Bonete to the former, the Catalan ends up dishonoring her (if you get the euphemism), and asks for a 'lax' forgiveness in which he says himself 'victim' of a 'spell' from her beauty (in his words «—Wouldn't thou want to excuse to the violence of love, that suddenly to me thou inspired, the excess that I was taken to commit?»). Ines, passive and gullible young-woman that she is, not only forgives him (believing in the love of his and in the purity of his intentions even after what he did to her), as she still accepts to marry him. In this, we see the conflating of two kinds of characters: on one hand, Ines Mendes fits on the model of the "woman-angel" present in the art of Romanticism, reason for which she accepts Bonete's proposal, and on the other Bonete does her the proposal because he is the archetypical ambicious upstart, and his greatest ambition is to socially ascent and to keep himself in the circle of the nobility, and one who only efforts himself for living, and well, having in his hold possessions and power.
So, it starts to set itself the scene: on the one hand the "angel-woman" is 'condemned' to a spouse that to her cnnot give but disgraces, deceptions and fatalities (let us recall that Pinheiro Chagas wrote already after the "golden age" of Romanticism, in a time in which this type of character archetype already wasn't taken seriously, due to which Ines was not the only type of female character present in the book, as the opposite of her in this text, Juliana, isn't the opposite Romantic archetype of the "devil-woman", but instead a more realistic, strong, pragmatic woman), meanwhile that egocentric spouse, entering unto the circle of the nobility by marriage, accordingly the more he gets-along with the gentry, more he holds ambition to have his life, and even to have the women of the male members of this class. And through a chain of intrigues and 'swashbuckling' duels, Bonete ends-up by risking an attempt of failed theft to the residence of the Duke of Caminha, for the which he's arrested by Portugal's authorities, after which, the Catalan owes to the Duke, benevolently, his liberation. Afterwards to that, the Duke allows him so that he nears himself to his person, and to his intimacy, as a friend. It's so that Bonete can enter in the bedroom of the Duchess; before even seeing her, due to awing himself with the richness of the bedroom, he already decided take her for mistress (this is from the episodes that accentuate the most the social greed of the Catalan, and look that it's hard 'competition' seen that they're loads of episodes throughout the book, and on the sequel already mentioned, that accentuate how wealth attracts Pedro Bonete like the light to a moth). This decision accentuates itself when she enters in her bedroom and they meet for the first time.
Pinheiro Chagas in 1875 (two years after the publication of The Red Mask)
When all these events go ocorring, Portugal is on the fight for the restoration of its independence. Yet, the Duke of Caminha fights against this cause: owing his title to Philip IV of Spain, III of Portugal, faithfully he conspires with some other nobles against the Duke of Braganza (now King of Portugal), to set-off his death. At fist, Bonete, leaving aside the support to the Catalan cause and also to the independence of Portugal (one of the main reasons of him to have married with Ines, of running away with her from Spain to Portugal, and escaping so to the persecution of the spaniard authorities during his independentist phase), 'probing' what 'avail' he could take from the conspiracy, joining it, but recognizing that it's condemned, he decides to take-out one other 'avail' out ofthe same: approaching the Duchess Juliana, he appeals to her that she becomes his mistress, under the threat of denouncing the conspiracy of the Duchess' husband to the authorities. Afterwards to her repudiating the offer and humiliating him, he procedes to the delation of all the conspirators to the secretary of State, Francisco de Lucena (another historical character). Despite several initiatives taken by Juliana before several royal and religious authorities, she cannot avoid the condemnation of her husband.
The Duke of Caminha according to the cover of the 1930 novel O Cadafalso do Duque de Caminha ("The Gallow of the Duke of Caminha") by the popular novelist Rocha
Almost all the characters of this intrigue, as we already saw, existed, but let it be noticed that Pinheiro Chagas (unlike the novel of his seen previously, centered in the celebrated vice-roy of India Don Francisco de Almeida, and in the little less known veracious story of his son) centers itself here not in the recognizably historical and celebrated figures (Don John IV, Francisco de Lucena, or even the traitor Duke of Caminha), but in the most obscure characters and points of history, from the which we can almost doubt that they are veracious. At doing so, Pinheiro Chagas gains more autonomy in creation and more freedom of fictional invention. The way how Pinheiro Chagas fictionalizes Juliana is remarkable, for a conservative that proposed that the way of punishing revolutionary women would be not to trial them but merely to lift-up the skirts and give a good pair of scourgings: as in other female characters of the author's, they can possess qualities of cunning and virility, and the beauty may not be just the one of an aesthetically pleasing classical statue but more voluptuous and meaty, setting themselves aside fully those female characters from the old Romantic archetype of woman, that frequently when it appears in a character in Pinheiro Chagas (as in this book on Ines Mendes) it is not presented as quality but as flaw, that makes it so that those poor 'weiners' that have such profile only have disgraces ahead, being instead the strong women (but feminine, in the model that already had used Camilo Castello Branco and that in the 20th-century American cinema would come-up under the figure of the "hawksian woman" from Howard Hawks films) that do in fact move-on the plot, as it is seen in this book, and in the sequel O Juramento da Duquesa/"The Oath of the Duchess", in which Juliana with the help of the military-man from the Restoration Don Joao da Costa executes her revenge (this book shall be, at least in this current blog, 'skipped' for being a little more mature, although not properly improper for the target age group of the books of this blog).
One of the "hawksian women" per excellence, the recently deceased Lauren Bacall, and the Duchess Juliana according to an illustration from an edition o' The Oath of the Duchess from the late-20th century
Throughout this novel it do come up exciting main plots and interesting secondary plots, adventures, fights, intrigues, some politics, heroism and infamy. Here, the narration and the dialogues remind us that we're in another period, in which to risk life for honor or for the beliefs was more natural and even licit than to our eyes to us seems. There do not exist many illustrated edition from this book (on the contrary of its sequel, that has an edition from the Amigos do Livro, Editores, Lda., "Friends of the Book, Publishers, Inc.", book sales club with some elegant illustrations in pale beige and pale orange tones), but the ones that there are tend to, in simple but efficient way, to accompany and deepen the romantic spirit of the book (sometimes even forgetting its more tragic sides).
It's certain that, despite of all, we don't find in this book the heavy tragedy and the spirit of some lyrical melancholia from the ending of A Jóia do Vice-Rey/"The Jewel of the Vice-Roy" (instead a spirit of some hope, that tomorrow shall bring the righting of the wrongs), and that there is space in The Red Mask for some swashbuckling heroism (style of fiction that the majority of people knows not that it exists in Portuguese literature) and some optimism even in the face of unhappiness, but it cannot help finding themselves in this novel politics, not only from the time described like from the personal vision of Pinheiro Chagas, with some critiques, ironies and insinuations, against the 'submission' (in the author's vision) of the Braganza Dynasty to the Jesuits, and against the courtesan intrigues and those that betray their country for personal loyalties (what affects not only the 'obvious target' of the Duke of Caminha, but even Pedro Bonete), things that shall turn the reading more delicious for the ones that read with the most attentive eyes, even if the readers that throughout decades more to themselves have delighted with the plot of this classic, did delight themselves most with it, more for what it has of fictional (or apparently fictional) and novellesque adventurous, in this Portuguese contribution to the worldwide celebrated genre of the 'swashbuckler' and that in the Iberian audiovisual gave origin to (unfortunetly for us, cinema fans) only one adaptation of a swashbuckling work by Manuel Pinheiro Chagas, a film of A Mantilha de Beatriz ("Beatrix's Mantilla") from 1946. For the moviemakers of the Ibero-American and European space, it stands the sugestion, although unfortunetly the "gold period" of this genre already has mostly passed-by. For the ones interested in adapting graphically this work, the French swashbuckler Comics series (unrelated, except in the title, aesthetic of the title character and historical period) The Red Mask by P. Cothias and A. Juillard can give a good visual model for (drawn) adaptations of Pinheiro Chagas' prose.
This book can find itself in Portugal in several public libraries, but it does not find itself in several others. It can be bought in Portuguese though at here in Kindle format on Amazon, it do find itself several editions from the 20th century for sale in antiques or in Portuguese language websites like Coisas.com or the Produto.mercadolivro.com.br, and available for reading and download online at Google Books. That I know there isn't edition of this book from this century, but given the relative 'rebirth' of the reputation and reading of Pinheiro Chagas since the late 20th century, it may be some in a future not so distant as that.