quarta-feira, 24 de junho de 2015

"Os Cavaleiros da Távola Redonda", Augusto da Costa Dias // "The Knights of the Round Table", Augusto da Costa Dias

Depois de uma introdução que localiza a acção deste livro no tempo e os fins do texto enquanto adaptação de um ciclo de lendas e ficção, este livro que trabalha as famosas estórias do chamado ciclo arturiano, que sob várias formas desde à séculos têm ocupado literatura e modos não-literários de ficção com as suas estórias do Rei Artur e da sua Távola Redonda, começa.
Esta 26.ª publicação do blogue Clássicos da literatura infanto-juvenil portuguesa // Portuguese children's/juvenile lit classics é dedicada a principal e mais clássica versão portuguesa deste ciclo de narrrativas, o volume originalmente de 1960 Os Cavaleiros da Távola Redonda de Augusto da Costa Dias, como apresentado em subtítulo do volume original, «adaptação e actualização da matéria da Bretanha» (o nome do mundo francófono para o ciclo arturiano). Não sendo obra plenamente original, este "colar" de quase todas as narrativas principais deste ciclo de lendas e novelas de cavalaria deve a sua estrutura unificada principalmente ao modelo do texto quatrocentista misturando poesia e prosa Le Morte d'Arthur de Sir Thomas Malory (uma das principais epopeias inglesas).
O livro segue o plano já clássico das obras que tentam recolher de forma coesa a matéria ficcional sobre o Rei Artur: começa com o contexto do tempo do seu pai Uther Pendragon e do Mago Merlim, as condições do seu nascimento e como foi criado por uma família adoptiva, como retirou a espada Excalibur da bigorna sobre uma pedra e chegou a Rei, como casou com Guinebra (ou Guinevere; este livro segue o antigo aportuguesamento dos nomes na linha das novelas de cavalaria medievais portuguesas), do que ocorreu no seu longo reinado até à mútua destruição do seu exército e do exército do seu sobrinho e filho incestuoso Mordred no campo de batalha. E entre esses marcos do reinado de Artur, temos várias narrativas sobre heróis específicos da Távola Redonda: Dom Lançarote do Lago (Lancelot du Lac), Tristão e o santo filho de Lançarote/Lancelot, Galaaz (o Galahad da literatura franco-britânica), entre vários outros cavaleiros menos celebrados de nome mas que em tempos foram todos protagonistas das suas lendas ou romances.
Ilustração da edição original de 1960
Particularmente grande é o episódio narrativo (com vários capítulos incluídos) em torno de Tristão, que nos descreve o seu nascimento, a sua vida heróica até chegar à corte de Camelot e a sua vida depois de a deixar e à confraria de 150 cavaleiros, uma estória de grande interesse literário e dramático mas que enquanto narrativa dentro da de Artur é lateral, só ligada pela breve passagem de Tristão pela irmandade da Távola Redonda como um dos principais cavaleiros desta (um elemento da matéria da Bretanha que de tão forçado tem sido sugerido como uma adição posterior à lenda de Tristão e Isolda, para unir a sua lenda com o principal ciclo de lendas literárias britânicas da altura).
Augusto da Costa Dias escreve este livro com o estilo grandiloquente e heróico que é de esperar, empregando linguagem levemente arcaica e formal, misturando elementos da Grã-Bretanha imediatamente pós-romana real em que um verdadeiro Artur poderia ter vivido, com os elementos da cultura medieval anglo-normanda mais tardia do tempo em que estas narrativas realmente começaram a ser escrita (depois da passagem de Artur por crónicas em prosa do século IX a XII). Assim temos neste livro o maravilhoso ainda vagamente celta, um espírito cristão, um princípio da narrativa explicado pela saída dos Romanos do que hoje é Inglaterra e pelas invasões dos Anglo-Saxões e em que a linhagem de Artur é explicada como parcialmente romana, em que as armaduras e os castelos são porém do meio da Idade Média ou até da Baixa Idade Média (com um pouco de Renascimento) e os comportamentos das personagens são por códigos de amor cortês da Alta Idade Média. Tudo isto contribui para um ambiente fantástico mas com o concreto de um certo realismo da sociedade medieval na sua brutalidade e códigos estritos, mostrando uma sociedade onde se vive ou morre pela lança ou espada.
Ilustração do episódio maravilhoso de Galvão e o Cavaleiro Verde na edição de 1960
Esta é uma narrativa romanceada que Augusto da Costa Dias, um ensaísta essencialmente de temas políticos, um intelectual activista do PCP e tradutor (para além de marido da escritora infanto-juvenil e tradutora/adaptadora Portuguesa do Cabo Verde colonial Maria Helena da Costa Dias), criou na única experiência mais própria de literatura ficcional original na sua bibliografia a partir das fontes dispersas da "matéria da Bretanha", acrescentando-lhe um talento da descrição, da escrita, do ritmo do enredo e da transição de estória para estória que ninguém esperaria dele dada a sua bibliografia completa (quiçá este talento fosse bebido da literatura de aventuras que traduziu ou da influência da esposa), dando à literatura portuguesa uma obra cuja força ultrapassa a questão da existência ou não de algum Artur histórico, de alguns dos lugares aqui referidos, da ligação de algum cálice de Jesus com a Grã-Bretanha (aliás das narrativas mais belas do ciclo arturiano, incluíndo como narrada aqui por da Costa Dias) ou de muitos outros eventos ou pessoas que aqui surgem. Não interessa. Como Eça disse encimando A Relíquia, «Sobre a nudez crua da realidade, o manto diáfano da fantasia.»
O ciclo arturiano sempre ganhou em popularidade apesar das dúvidas sobre historicidade de sequer 50% do que narra, tendo dado origem ao género do romance ou novela de cavalaria, ao ciclo rival carolíngio (em tempos igualmente popular, principalmente no espaço ibero-americano, apesar de sempre lhe ter faltado a aura de mistério e tragédia inevitável que fizeram o arturiano tão atraente) e a ciclos imitadores ibéricos como o dos Amadises (começando com o Amadis de Gaula para uns criação castelhana do século XVI e para outros portuguesa do XIII ou XIV) ou o dos Palmeirins (partilhado no século XV-XVI por romances castelhanos como El Palmeirín de Oliva ou portugueses O Palmeirim de Inglaterra). Na Idade Média, a influência do ciclo arturiano em Portugal foi imensa, dando origem a inúmeras pessoas com nomes como Lançarote, Guinebra, Perceval ou afins, tendo influenciado D. Nuno Álvares Pereira a almejar ao cavaleirismo quase monástico de Galaaz (o seu grande modelo) e D. João I comparar os seus cavaleiros da Crise de 1383-1385 aos de Artur e a si próprio com o rei Bretão. A partir do século XVIII, fora a influência dos rimances ou xácaras arturianas no Romanceiro de A. Garrett ou na recriação do possível texto do romance de cavalaria medieval perdido Tristão, o enamorado por Teófilo Braga em 1914, pouca influência esta matéria teve na nossa literatura, fora o conto Sir Galahad de Eça de Queirós (só publicado postumamente em 1966) e o romance Vitória de Parsifal do hoje pouco lembrado mas bastante talentoso João Grave (1922). Mas apesar desta pouca criação original, os Portugueses nunca deixaram de consumir material arturiano exterior, como os romances "revisionistas" da Norte-Americana Marion Zimmer Bradley, os romances históricos do Britânico Bernard Cornwell ou os mais vagamente tolkienianos romances do Francês Jean-Louis Fetjaine, para além de milhentos filmes e programas de televisão, incluíndo mais recentemente o historicista Rei Artur de 2004 e às séries respectivamente "revisionista" e auto-paródica já desta década Camelot e Merlin (não esquecendo a cómica Kaamelot francesa).
Obras como esta de da Costa Dias lembram-nos do sentido, enredo e valor original do mito como era originalmente narrado, quando era uma forma de promover uma Inglaterra e uma sociedade feudal que já não existem (aquela sociedade de privilégios senhoriais que no tempo d'O Piolho Viajante de António Policarpo da Silva já visto aqui, já estava em decadência). Mesmo depois de este ícone se tornar um ícone comercializado e vendável (e isto começava ainda na promoção desta literatura à sua fandom medieval), continuou sempre a ser um ícone e símbolo principalmente e acima de tudo de optimismo, de apelo aos melhores instintos das pessoas, de respeito, de moral e ética e de amizade fiel, como se poderá ver ao longo deste livro, e se pode ver que foi a falta ou violação de tudo isso que destruiu Camelot e o reinado de Artur. Edições originais de 1960 ainda se podem encontrar à venda online e ocasionalmente em bibliotecas, mas é mais fácil hoje encontrar cópias da edição de 2004 da colecção Geração Público do jornal Público, que ajudou a introduzir uma nova geração a este clássico antes pouco recordado (mas que infelizmente não reutilizou as belas ilustrações da edição original, mantendo a coerência de não ilustrar nenhum dos livros incluídos na colecção fora da capa.


After an introduction that locates this book's action in time and the aims of the text s adaptation of a cycle of legends and fiction, this book that works on the famous stories of the so-called arthurian cycle, which under several forms since centuries ago has occupied literature and non-literary modes of fiction with its stories of King Arthur and of his Round Table, starts.
This 26th post of the Clássicos da literatura infanto-juvenil portuguesa // Portuguese children's/juvenile lit classics blog is dedicated to the main and most classical Portuguese version of this cycle of adventures, the volume originally from 1960 Os Cavaleiros da Távola Redonda ("The Knights of the Round Tables") by Augusto da Costa Dias, as presented in subtitle to the original volume, «adaptation and updating of the matter of Britain» (the French-speaking world's name for the arthurian cycle). Not being fully original work, this "sticking-together" of almost all the main narratives of this cycle of legends and chivalry novellas ows its unified structure mainly to the fourteen-hundredth text mixing poetry and prose Le Morte d'Arthur by Sir Thomas Malory (one of the main English epics).
The book follows the already classical plan of the works that attempt to gather in cohese form the fictional matters on King Arthur: it starts with the context of the time of his father Uther Pendragon and the Mage Merlim, the conditions of his birth and how he was created by an adoptive family, how he removed the word Excalibur from the anvil on the stone and got to King, how he married with Guinebra (or Guinevere; this book follows the ancient Portuguesefying of the names on the line of Portuguese chivalry novellas), of what occurs throughout his long reign till the mutual destruction of his army and the army of his nephew and incestuous son Mordred no campo de batalha. And between those marks of the reign of Arthur, we got many narratives on specific heroes of the Round Table: Don Lanssarote of the Lake (Lancelot du Lac), Tristao (Tristan) and the sainted son of Lanssarote/Lancelot, Galaaz (the Galahad from the French-British literature), among several other knights less celebrated by name but that back in the day were all protagonists of their legends or novels.
Illustration from the original 1960 edition
Particularly big is the narrative episode (with several chapters included) around Tristao, that describes us his brith, his heroic life up till getting to the Camelot court and his life after leaving it and to the confraternity of 150 knights, a story of great literary and dramatic interest but that while narrative inside Arthur's is a sideshow, only connected by the bief passage of Tristao by the Round Table brotherhood s one of the main knights of the latter (an element of the matter of Britain that from so forced has been suggested as a latter addition to the Tristan and Isolde legend, to united their legend with the main British literary legend cycle of the time-point).
Augusto da Costa Dias writes with book with the grandiloquent and heroic style that is to expect, employing lightly archaic and formal language, mixing elements of the real immediate post-Roman Great Britain in which a true Arthur could have lived, with the elements of the later Anglo-Norman medieval culture from the time in which these narratives really started to be written (after the passage of Arthur by prose chronicles from the 9th to 12th century). So we got in this book the still vaguely Celtic wondrous, a Christian spirit, a beginning of the narrative explained by the exit of the Romans from what today is England and by the invasions of the Anglo-Saxons and in which the lineage of Arthur is explained as partially Roman, in which the armors and the castels are though from the middle of the Middle Ages or even from the Late Middle Ages (with a little of Renaissance) and the behaviours pf the characters are by courtly love codes from the High Middle Ages. All this contributes for a fantasy environment but with the concrete of a certain realism of the medieval society in its brutality and strict codes, showing a society where one lives or dies by the lance or sword.
Illustration of the wondrous Galvao and he Green Knight episode in the 1960 edition
This is a romanced narrative that Augusto da Costa Dias, an essay-writer mainly of political themes, an activist intellectual from the Portuguese Communist Party and translator (besides being husband to the children's/young-people's writer and translator from colonial Cape Verde Maria Helena da Costa Dias), created in the only experiment more proper of original fictional literature in his bibliography out of the dispersed sources of the "matter of Britain", adding it a talent on description, on writing, on plot rhythm and on the transition from story to story that nobody would expect from him gven his full bibliography (perhaps that talent were drunk out of the adventure literature he translated or of the influence of his wife), giving unto Portuguese literature a work whose strength overcomes the issue of the existence or not of some historical Arthur, of some of the places refered here, of the connection of some chalice of Jesus with Great Britain (besides from among the most beautiful narratives of the arthurian cycle, including as narrated here by Costa Dias) or of many other events or people that here do come-up. It does not matter. As Essa said topping The Relic, «Sobre a nudez crua da realidade, o manto diáfano da fantasia.» («Over the raw nudity of the truth, the diaphanous cloak of fantasy.»)
The arturian cycle always won in popularity despite the doubts on the historicity of even 50% of what it narrates, having given origin to the genre of the chivalry novel or novella, to the carolingian rival cycle (times back equally popular, especially in the Ibero-American space, despite always having lacked it the aura of mystery and innevitable tragedy that made the arthurian one so attractive) and the Iberian immitator cycles like the Amadises one (starting with the Amadis of Gaul for some Castilian creation from the 16th century and for other Portuguese from the 13th or 14th) or the Palmeirins one (shared in the 15th-16th century by Castilian novels like the El Palmeirín de Oliva or the Portuguese The Palmeirin of England). In the Middle Ages, the influence of the arthurian cycle in Portugal was imense, giving origin to numerous people with names like Lanssarote, Guinebra, Perceval or the like, having influenced Constable Don Nuno Alvares Pereira to crave for the almost monastichal chivalrism of Galaaz (his big rolemodel) and King Don John I comparing his knights from the 1383-1385 Portuguese Interregnum to the ones of Arthur's and to himself with the Briton king. Starting from the 18th century, aside the influence of the arthurian verse-romances or ballads in the Romanceiro ("Balladeer") by A. Garrett or in the recreation of the possible lost medieval chilvalry novel text Tristão, o enamorado ("Tristan, the enamoured") by Teofilo Braga in 1914, little influence this matter had in Portuguese literature, aside the short-story Sir Galahad by Essa de Queiroz (only published posthumously in 1966) and the novel Vitória de Parsifal ("Victory of Parsifal") by the today little recalled but quite talented Joao Grave (1922). But despite this little original creation, the Portuguese never ceased consuming foreignarthurian matterial, like the "revisionist" novels by the North American Marion Zimmer Bradley, the historical novels by the Briton Bernard Cornwell or the more vaguely tolkienean novels by the Frenchman Jean-Louis Fetjaine, besides a zillion films and television shows, including more recently the historicist King Artur from 2004 and the series respectively "revisionist" and self-parodical already from this decade Camelot and Merlin (not forgetting the French comedic Kaamelot).
Works like this one by da Costa Dias remind us of the sense, plot and original value of the myth as it was originally narrated, when it was a form of promoting a England and a feudal society that no longer exists (that society of lordly privileges that in the time o' Antonio Policarpo da Silva's O Piolho Viajante/"The Travelling Lice" already seen here, was already in decay). Even afterwards to this icon becoming a comercialised and sellable icon (his started still in the promotion of this literature and its medieval fandom), continued always to be an icon and symbol mainly and above all of optimism, of apeal to the best instincts of people, of respect, of moral and ethics and of faithful friendship, as it can be seen throughoutthis book, and it can be seen that it was the lack or violation of all that whch destroyed Camelot and the reign of Arthur. Original editions from 1960 stll can be found for sale online and occasionaly in Portuguese libraries, but it is easier today to find copies from the 2004 edition of the Público newspaper's Geração Público collections, that helped to introduce a new generation o this classic before barely remembered (but which unfortunately did not reutilise the fair original edition illustrations, keeping the coherence of not illustrating any of the books included in the collection outside the cover.

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