sexta-feira, 24 de julho de 2015

"A Mantilha de Beatriz", Manuel Pinheiro Chagas // "The Mantilla of Beatriz", Manuel Pinheiro Chagas

Ao longo deste blogue, Pinheiro Chagas tem vindo a ser um dos autores que mais "cobrimos", e os períodos cobertos pelas suas obras (em obras dele e de outros), i.e., a história de Portugal dos Descobrimentos até aos princípios do século XIX, têm vindo a ser períodos históricos mais cobertos por obras analisadas aqui. Mas será porventura este romance, A Mantilha de Beatriz, aquela obra deste autor e sobre esta época que mais realisticamente e com mais qualidades estilísticas formais retrata este período, dando uma narrativa das que mais impressiona, surpreende e agrada ao leitor na passagem de um retrato desse período passado. E isto diz muito tendo em conta que obras igualmente fortes deste autor sobre este longo período da história de Portugal, como A Jóia do Vice-Rei, A Máscara Vermelha e Os Guerrilheiros da Morte, também passaram por publicações deste blogue.
Deve-se porém ter em conta que eu uso da expressão "realisticamente" não para querer dizer que a narrativa aqui apresentada neste «romance original» (como Pinheiro Chagas chamava aos seus romances históricos não plenamente baseados na história real) é real e histórica, mas somente para expressar que a ficção deste enredo o encaixa nalguns eventos e factos históricos políticos e afins, e a intriga é essencialmente realista no que mostra quer da natureza humana em termos de dinâmica amorosa e de intriga política, como irei demonstrar descrevendo mais a fundo esta obra.
O livro começa com um mecanismo de meta-ficção (a abordagem a uma obra de ficção que abertamente trabalha ou discute o facto de a obra de ficção ser exactamente isso). O livro começa com um representante diplomático em Madrid do Reino de Portugal no tempo de D. Pedro II (portanto, pouco depois de a Guerra da Restauração ser vencida e de Portugal ver a sua independência reconhecida pelo antigo ocupante Espanha) a visitar um dos teatros populares apinhados da época da "Idade de Ouro do Teatro Espanhol", e assistir a uma peça em que surge uma caricatura do Português como amante piegas e intenso (caricatura que devo dizer, era "endémica" do teatro espanhol da altura, tendo até sido aplicado a D. Afonso Henriques na curiosa peça Las quinas de Portugal de Tirso de Molina), e ofendido o diplomata quase chega a "lavar a honra" à espadeirada, não fora outro Português no público, João de Matos Fragoso (dramaturgo Português histórico radicado em Espanha nesta época e que escreveu em Castelhano peças ao estilo da Espanha da época), o avisou de que a peça era antiga e não um ataque directo a Portugal devido à guerra de independência recente. Depois do primeiro contacto, lidando amizade entre si, Matos Fragoso convida o diplomata (Francisco de Mendonça), a vir consigo a um jantar do autor da peça, Pedro Calderón de la Barca. É nesse jantar que Mendonça elogia o autor Espanhol mas diz-lhe que tem uma estória que daria uma peça muito melhor que as que o autor já escrevera. E assim ele começa a narrar a estória da sua vida em torno do casamento com uma loira fidalga chamada Beatriz. Ora isto é meta-ficcional, porque a verdade é que Pinheiro Chagas inspirou o enredo deste romance na peça Antes que todo es mi dama de Calderón de la Barca (e não No son todos ruiseñores de Felix Lope de Vega por vezes atribuído erradamente a Calderón como alguns resumos do livro erradamente afirmam), só que P. Chagas atribui a inspiração original a esta narrativa ficcional "colada" a figuras históricas, e assim a inspiração do livro torna-se assim retroactiva e ficcionalmente peça inspirada no enredo deste romance (quem tiver nós na cabeça nesta altura está desculpado).
Pedro Calderón de la Barca
Ora o enredo propriamente dito começa em torno do Francisco de Mendonça de anos antes, ainda reinava Afonso VI, quando depois de dar uma estocada quase mortal num tal de D. Estevão de Portugal, foge do seu Porto para Lisboa, onde é salvo de uns bandidos por outro jovem chamado Luís, do qual se torna amigo, e algum tempo depois disso, andando pela rua vê uma mantilha cair dos cabelos de uma dama às águas do Tejo e não querendo entregá-la de volta à dona para a manter como recordação, envia à dita Beatriz (pela qual se interessa, e a qual se interessa por ele) uma outra mantilha substituta pela amiga da jovem, Clara, o que cria um 1.º problema porque isto é confundido com Francisco cortejar Clara, e portanto depois o pai de Beatriz, D. Álvaro de Mascarenhas, fica com a falsa impressão de que o jovem Portuense namora as duas, mas depois de algumas peripécias, graças a Gonçalo, o criado de Francisco (que não é santo mas é um grande casamenteiro, para além de querer ele próprio namoriscar a criada dos Mascarenhas, Inês), seguindo-se outra confusão mesmo assim: D. Álvaro é amigo do pai de Francisco e vai à estalagem perguntar por ele para interceder por ele ante a corte, mas o amigo Luís, temendo que o nobre viesse por causa de um duelo, disse-lhe ser ele próprio Francisco, obviamente criando um cenário de comédia de enganos. O enredo centra-se depois principalmente em duas linhas nas quais se sucedem vários eventos. Uma é pessoal, em torno destas personagens principais, rodeando o cenário de enganos criado com o assumir de falsa identidade por Luís, que se adensa quando o altivo e intempestivo D. Estevão de Portugal (afinal irmão de Clara, amiga de Beatriz) vem do Porto para Lisboa, recuperado, não só para acertar contas mas ele próprio interessado em desposar Beatriz, seguindo-se tanto duelos de capa-e-espada como enganos de comédia...
Cartaz de uma produção moderna de Antes que todo es mi dama
E a outra linha é política, em torno da carreira diplomática de Francisco e os principal eventos políticos que ocupam Portugal ao longo dos anos em que a estória de Francisco e Beatriz se vai passando, a Guerra de Restauração continuada pelo filho de D. João IV, D. Afonso VI, e a crise política em torno do destronar deste Rei considerado louco, que ajudam a dar mais "musculatura" e "esqueleto" ao enredo e a torná-lo mais sério para não criar demasiada tensão entre o cómico da comédia de erros e o aventureiro dos duelos e afins, dando assim qualquer coisa da seriedade (no melhor sentido da palavra) de um romance de capa-e-espada politizado à O Homem da Máscara de Ferro de Dumas, Pai a esta obra que seria somente um romance histórico com enredo "à margem" da história real e uma simples aplicação do enredo da peça de Calderón de la Barca numa nova obra, sem isso.
No fim, D. Afonso VI é substituído pelo seu irmão D. Pedro e internado em Sintra (isto não conta como revelações-do-enredo visto que qualquer pessoa com um livro de história pode ver isto), a Guerra da Restauração conclui-se sobre o 3.º rei da IV Dinastia, e tudo acaba em bem também na "frente pessoal" do romance, com Beatriz casando com Francisco, Clara com Luís, Estevão partindo para o Brasil e Gonçalo aparentemente estando destinado para não muito tempo depois disso casar com a criada Inês. E, claro, Calderón de la Barca ganhou um enredo para uma peça de teatro nova.
Assim, como na peça original, Francisco não tem que concluir senão que, antes que qualquer outra coisa e independentemente de todas as complicações ou problemas que Beatriz lhe traga, ela é a sua dama. E no caminho até essa conclusão, encontramos lições sobre a ganância e violência das tramas do poder (no episódio político do destronar de D. Afonso VI), mostras do lado mais excêntrico e menos louvável da classe aristocrática, e como os enganos criados mesmo por boas intenções e para auxiliar os melhores amigos acabam sempre por criar os seus problemas (embora devam inevitavelmente ser postos de lado para que a felicidade possa ser alcançada pelos envolvidos). Finalmente devo notar que o livro ainda é relativamente comum em muitas bibliotecas municipais ou escolares em edições da Europa-América dos anos de 1980, anteriores de outras editoras ou dos anos de 1990 da colecção Clássicos Juvenis TVI editada pela Verbo Juvenil da Editorial Verbo, por vezes surgindo mesmo nas mesmas bibliotecas em edições antes dos anos '90 na secção adulta/genérica da biblioteca e na edição da Verbo Juvenil na secção infanto-juvenil.
Não se esqueça ainda a adaptação (que já aqui referi) d'A Mantilha de Beatriz ao cinema de 1946 em co-produção luso-espanhola realizada por Eduardo G. Maroto.


Along this blog, Pinheiro Chagas has come to be one of the authors that the more "we have covered", and the periods covered by his works (in works of his and of others), i.e., the history of Portugal from the Discoveries till the beginnings of the 19th century, have come to be most covered historical periods by works analysed here. But it would be haply this novel, A Mantilha de Beatriz ("The Mantilla of Beatriz"/"Beatrix's Mantilla"), that work by this author and on this period that more realistically and with more stylistic formal qualities portrays this period, giving a narrative among the ones that impress, surprise and please to the reader on the passage of a portrayal of that past period. And that says much having in mind that equally strong works of this author's on this long period of Portugal's history, like A Jóia do Vice-Rei/"The Jewell of the Vice Roy", A Máscara Vermelha/"The Red Mask" e Os Guerrilheiros da Morte/"The Guerrillas of Death", also passed by posts from this blog.
It must he held in account that I make use of the expression "realistically not to mean that the narrative here presented in this «original novel» (as Pinheiro Chagas called to his historical novels not fully based on real history) is real and historical, but murely to express that te fiction of this plot fits it in some events and political historical facts and the like, and the intrigue is essentially realisic in what it shows both of the human nature in terms of love dynamic and of political intrigue, as I shall demonstrate describing more deeply this work.
The book starts with a mecanism of metafiction (the approach to a work of fiction that openly works on or discusses the fact that the work of fiction is exactly that). The book starts with a diplomatic representative in Madrid from the Kingdom of Portugal in Don Pedro II's time (hence, little after the Portuguese Restoration War being won and Portugal having its independence recognised by the former occupier Spain) visiting one of the crowded popular theatres of the "Golden Age of Spanish Theatre", and watching a play in which it comes up a caricature of the Portagee as mushy and intense lover (caricature that I must say rather "endemic" to the Spanish theatre of the time-point, having even been applied to founder Don Alfonso Henriques in the curious play Las quinas de Portugal/"The Cinque Shields of Portugal" by Tirso de Molina), and offended the diplomat almost gets to "wash his honor" by sword blows, had it not been another Portuguee in the audience, Joao de Matos Fragoso (historical Portuguese playwright established in Spain at this period an who wrote in Castilian plays to the style of the Spain of the period), and warned that the play was ancient and not a direct attack on Portugal due to the recent independence war. After the first contact, stricking friendship amongst themselves, Matos Fragoso invites the diplomat (Francisco de Mendonssa), to come with him to a dinner of the play's author, Pedro Calderon de la Barca. It is in that dinner that Mendonssa praises the Spanish author but tells him that he got a story that would give a much better play than the ones the author already had written. And so he begins to narrate the story of his life around the marriage to a blond landed-lady called Beatriz. Well now this is metaficional, because the truth is that Pinheiro Chagas inspired the plot of this novel on the play Antes que todo es mi dama ("Before all it is my dame") by Calderon de la Barca (and not No son todos ruiseñores/"They're not all nightinghales" by Felix Lope de Vega somestimes tributed wrongly to Calderón as some book abstracts wrongly state), only that P. Chagas attributes the original inspiration to this fictional narrative "glued" to historical figures, and so the inspiration to the book becomes retroactively and fictionally a play inspired in the plot of this novel (whoever might have their head tied into a knot by now is excused).
Pedro Calderon de la Barca
Well the plot proper begins around the Francisco de Mendonssa from years before, it still reigned Alfonso VI, when afterwards to giving a stab almost deadly on some Don Estevao de Portugal, runs away from his Oporto to Lisbon, where he is saved from some bandits by another man called Luis, of whom he becomes friend, and some time after that, walking by the street sees a mantilla falling down from the hairs of a dame into the Tagus waters and not wanting to deliver it to the lady for keeping it as souvenir, sends to said Beatriz, for whom he interests himself in, and who interests herself in him) one other replacement mantilla through the young-woman's friend, Clara, what creates one 1st problem because this is confused with Francisco courting Clara, and hence afterwards Beatriz's father, Don Alvaro de Mascarenhas, gets with the false impression that the young Oporto native romances both, but afterwards to some mishaps, thanks to Gonssalo, Francisco's servant (who is no saint but is a great matchmaker, besides wanting he himself to flirt the maid of Mascarenhas, Inez), following itslf another confusion even so: Don Alvaro is friend to Francisco's father and goes to the inn ask for him and intercede for him before the court, but the friend Luis, fearing that the nobleman came on account of a duel, told him he was Francisco himself, obviously creating a scenari of comedy of errors. Th plot centers itself afterwards mainly on two lines in which it come in succession several events. One is personal, around thse main characters, surrounding the scenario of deeptions created with the assuming of false identity by Luis, that thickens when haughty and thunderous Don Estevao de Portugal (after-all brother of Clara, friend of Breatriz) comes from Oporto to Lisbon, recovered, not only to settle scores but he himself interested in bewedding Beatriz, following themselves as much swashbuckling duels as comedy deceptions...
Poster of a modern production of Antes que todo es mi dama
And the other line is political, around the diplomatic career of Francisco and the main political events that occupy Portugal along the years in which the story of Francisco and Beatriz goes passing itself, the Portuguese Restoration War continued by restorer Don John IV's son, Don Alfonso VI, and the political crisis around the overthrowing of this king, considered mad, that help to give more "musculature" and "skeleton" to the plot and to turn it more serious for not creating too much tension between the comical of the comedy of errors and the adventurous of duels and the like, giving something of seriousness (n the best sense of the word) of a politicised swashbuckler novel Dumas Père's The Man in the Iron Mask-style, to this work that would be merely a historical novel with plot "to the sidelines" of real history and a mere appliyng of the plot of Calderon de la Barca's plot into a new work without it.
In the end, Don Alfonso VI is replaced by his brother Don Pedro and is committed in Sintra (this does not count as spoilers seen that any person with a history book can check this), the Portuguese Restoration War concludes itself under the 3rd king of Portugal's IV dynasty, and all ends well in the novel's "personal front", with Beatriz marrying with Francisco, Clara with Luis, Estevao leaving for Brazil and Gonzalo apparently being destined for not long after that marrying with the maid Inez. And, of course, Calderon de la Barca gained a plot for a new theatre play.
So, as in the original play, Francisco does not have but to conclude that, before any other thing and independently from all complications or problems that Beatriz might bring him, she is his dame. And on the path to that conclusion we find lessons on greed and violence of the power plays (in the political episode of the overthrowing of Don Alfonso VI), shows of more excentric and less praiseworthy sides of the aristocratic class, and how the deceptions created even for good intentions and for aiding our best friends end up always by creating problems to it (although they must be inevitably be cast aside so that the happiness may be reached by the involved parties). Finally I must note that the book is still relatively common in many Portuguese municipal or school libraries in 1980s Europa-América publisher's editions, previous ones from other publishers or from the 1990s on the Clássicos Juvenis TVI ("Portuguese Independent Television Young-people's Classics") collection published by Editorial Verbo publisher's Verbo Juvenil publishing seal, sometimes appearing even in the same libraries in editions before the '90s on the grown-up/generic section of the library and in the Verbo Juvenil edition on the children's/young-people's section.
Let it not be forgotten moreover the adaptation (that I already mentioned here) o' Beatrix's Mantilla to cinema from 1946 in Portuguese-Spanish co-production directed by Eduardo G. Maroto.

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