Já neste blogue, faz pouco tempo, vimos duas obras de Virgínia de Castro e Almeida, e agora vamos ver um livro (infelizmente menos acessível de achar) de uma prima sua que por muitos menos anos (e obras) foi também escritora infantil: Laura Veridiana de Castro e Almeida Soares (que tendia a só assinar, quando usava o nome verdadeiro para assinar traduções, visto que só criou originais sob o pseudónimo aqui usado, Laura de Castro e Almeida). Como se tem visto o nosso blogue tem passado um pouco "de largo" da literatura infanto-juvenil mais religioso-moralizante e mais próxima do Estado Novo, ora passando por obras anteriores ao período, ou obras escritas entre 1932 e 1974 "a leste" de questões políticas, ou de autores mais ou menos apolíticos ou de uma forma ou outra anti-Estado Novo; as excepções que temos feito a isto incluem Virgínia de Castro e Almeida, por longos anos uma forte apoiante de Salazar, e esta sua prima que estava bem dentro da tradição moralizante religiosa e de patriotismo com toque católicos e moralizantes/moralistas (a meio-caminho entre roteiro turístico e catecismo nacional-católico). Passando à obra, esta foi publicada em 1922, tratando de uma rapariga continental, Chica, com ascendência paterna madeirense (isto não é categoricamente afirmado mas intui-se isto da tia Madeirense dizer que tem uma irmã casada com filhos e 1 neta e um irmão em Lisboa que deve ser o pai de Chica) que com os irmãos pouco mais velhos vai passar as férias de Natal na ilha da Madeira, em casa da sua avó. Nesta ilha conhece outro estilo de vida e outra forma de cultura portuguesa e faz amizades com crianças e adultos locais.
Depois da viagem e da instalação na casa da avó, passa o período de cerca de um mês feliz e saudável, entre o ambiente insular típico de vida pequeno-citadina insular-portuguesa de inícios de Novecentos, numa casa de baixa-burguesia de pergaminhos aristocráticos mas que já viveu melhores dias, que é elegante mas muito do ideal de finanças humildes à Uma Casa Portuguesa, com a alegre e simples Chica num jeito muito à Heidi, a distribuir sorrisos e alegrias pela área visitada da ilha, enquanto vai conhecendo melhor a avó Madeirense e as duas se tornam mais próximas e enquanto a avó (matriarca de respeito) suaviza ante a pequena (de 3 anos) Chica, esta vai aprendendo dela não só versões "para crianças" de informações científicas sobre a Terra e os outros planetas como ensinamentos morais e curiosidades sobre a Madeira "típica". Porque a Madeira representada é de facto "típica" e pituresca (embora com um aspecto multicultural, as comunidades inglesa e cigana estando presentes), embora não seja sem aqueles defeitos de meio pequeno, demasiado tradicionalista e dado à cuscuvilhice do retrato geral (e algo realista) deste meios desta dimensão.
Depois da aproximação de Chica e dos irmãos com a avó se tornar mais forte, começam a passear e brincar principalmente com a tia Valentina, que é não só companheira de brincadeiras mas "providência" que tenta protege-las de qualquer percalço de caminho. É principalmente com a tia que Chica e os irmãos mais velhos conhecem os primos Funchalenses, passeiam pela ilha, conhecem crianças locais, ficam a conhecer o património, artesanato, locais de passeio e tradições madeirenses, e que vão conhecer a «Colmeia humana» da tia, uma organização filantrópica por ela coordenada em que crianças desfavorecidas criadas da rua eram cuidadas, vestidas e alimentadas, além de ensinadas a coser roupas e receberem aulas escolares. O tom (da tia e da narradora) associado a estas passagens pode ser bastante condescendente e paternalista (especialmente para com crianças madeirenses pobres trigueiras e crianças ciganas), mas não obscurece completamente uma certa intenção social e uma postura anti-corrupção social e moral que é mesmo cívica e útil. Conforme as férias vão passando, torna-se claro que o pai das crianças não é muito presente e pouco fala, a mãe delas sendo a verdadeira organizadora da casa (isto torna-se algo melancólico em retrospectiva visto que no livro da autora "Maria Francisca Teresa", dois livros a seguir, O Tio Gustavo de 1925, as crianças já são órfãs de pai, o que lança uma luz sobre este apagamento e vacuidade do pai neste livro, que pode assim estar já "apagado" por já estar moribundo... ou talvez a autora tenha decidido "mata-lo" depois de ver a sua pouca utilidade aos livros desta "série").
Apesar das férias aumentarem uma consciência das raízes parciais madeirenses das crianças e da especificidade da Madeira dentro da Portugalidade, as saudades da Lisboa natal e da Portugalidade continental vai aumentando, mas claro que as férias acabam pela altura em que as saudades mais apertam daí que "tudo está bem quando acaba bem" (excepto para o pai que eventualmente falece para os livros seguintes, mas enfim, nada é perfeito). E o resto é estória para os livros seguintes da autora, Chica Conheceu Jesus (1925) e o referido O Querido Tio Gustavo, em que Chica, a mãe e os irmãos retornam, agora em cenários familiares não madeirenses, e continua a moralização e aproximações quer a membros da família menos conhecidos ou mesmo algo "párias" (como o amalucado tio Gustavo do livro homónimo) quer à religião (principalmente no segundo livro). Apesar de um moralismo por vezes chato ou forçado, o livro descreve bem o processo de alfabetização e os métodos educativos cooperativo-corporativistas típicos de uma ala direita do "republicanismo histórico" e cerca de 10 anos depois do Estado Novo, de forma mais realista do que parece (embora hoje pensemos que talvez um ensino assim descrito seja coisa de ficção paternalista), não esquecendo o muito de "insulto" ao aluno resistente e de violência ou ameaça contra ele para o convencer a aprender (a bem ou a mal), como se pode ver quanto à «Colmeia humana».
Assim neste texto de um certo neo-Romantismo, a avó reaproxima-se da família próxima em parentesco mas longínqua em geografia, a sociedade vai evoluindo e sendo educada (embora de forma religiosa e paternalista), as crianças têm as "férias de uma vida" e uma certa experiência de maturação (embora o mais velho dos irmãos não tenha sequer 10 anos), e a burguesia remediada e poupada continue assim e ajude até filantropicamente a "levantar" socialmente algumas das «abelhas» humanas da «Colmeia». Não só a matriarca avó mas a matriarca "terra-mãe" portuguesa, e especificamente madeirense, vai criando os seus filhos. Este livro inaugura outra categoria na nossa literatura infanto-juvenil portuguesa, o do romance de família burguesa e de vida infantil realista (por mais romantizado que seja, este é um livro de um certo retrato de uma certa forma de vida real), e com os seus sonhos e a sua versão algo cor-de-rosa de um certo estrato privilegiado da sociedade portuguesa do final da I República (o livro original parece insinuar que o livro se passa mesmo no princípio do século XX, portanto na monarquia constitucional, mas isso é impossível visto que o livro seguinte se passa na década de '20 e as crianças só tenham 2 anos a mais, portanto princípio do século será usado de forma "lato seso" pela autora se lermos a "série" como sendo passada em tempo realista, de contrário é só um adaptar do primeiro livro à Madeira de 1900 que a autora conheceu mesmo e o repassar do segundo livro para os tempos então correntes), consegue não só entreter o leitor competentemente e cumprir o seu papel ideológico da sua época histórica de surgimento: de nos dar uma visão tradicionalista, patriótica e optimista que nos dá uma certa fé sobre o resto da espécie humana em nosso redor. O livro, muito raro embora um sucesso residual de vendas na sua altura (e a merecer re-edições hoje), pode ser lido, junto com os outros dois livros desta "série" da autora, em fragmentos (com resumo do resto do texto dos 3 livros) neste artigo da revista galega Veredas.
Already on this blog, just a while back, we saw two works by Virginia de Castro e Almeida, and now we will see a book (unfortunetely less accessible to find) by a cousin of hers who for many less years (and works) was also a children's writer: Laura Veridiana de Castro e Almeida Soares (who tended to just sign, when she used the real name to sign translations, seing that she only created originals under the pseudonym here used, as Laura de Castro e Almeida). As it has been seen our blog has passed a bit "at bay" of the more religious-moralising and closer to the Portuguese New State children's/young-people literature, either passing by works previous to the period, or works written between 1932 and 1974 "east of Eden" of political questions, or from more or less apolitical autors or in one way or another anti-New-State; the exceptions that we have made include Virginia de Castro e Almeida, for long years a strong supporterof Salazar, and this cousin of hers was well within the religious moralising and patriotism tradition with Catholic and moralising/moralist touches (half-way between touristic roadmap and national Catholic catechism). Passing to the work, this one was published in 1922, dealing with a continental girl, Chica, with Madeiran paternal descent (this is not categorically stated but it is intuited that from the Madeiran aunt saying that she has a sister married with children and 1 granddaughter and a brother in Lisbon that must be the father of Chica) who with the barely older brothers goes to pass the Christmas holidays in the Madeira island, home by her grandmother. In this island she meets another lifestyle and another form of Portuguese culture and makes friends with local children and grown-ups.
After the journey and the installation in the house of the grandmother, passes the period of about a month happy and healthy, among the insular environment typical of the small-city insular-Portuguese life of early Nineteen-hundred, in a house of lower-bourgeoisie of aristocratic patent scrolls but that already lived better days, which is elegant but very much of the ideal of humble finances Uma Casa Portuguesa-style, with the joyful and simple Chica in very Heidi-style ways, distributing smiles and joys through the visited area of the island, while we go knowing better the Madeiran grandmother and the two of them become closer and while the grandmother (respectful a matriarch) softens before the little (3 years-old) Chica, she does learning of it not only the versions "for children" of scientific informations on the Earth and the other planets as much as moral teachings and curiosities on the "typical" Madeira. Because the Madeira represented is in fact "typical" and picturesque (although with a multicultural aspect, the English and Gypsy communities being present), although it is not without those flaws of small-sized millieu, too traditionalist and prone to gossiping of the general portrait (and something realistic) of the means of this sizing.
After the closening to Chica and her brothers with the grandmother becoming stronger, starting to walk-about and playing mainly with her aunt Valentina, who is not just companion of play-arounds but " providence" that tries to protect them from every setback along the way. It is mainly with the aunt that Chica and the older brothers meet the Funchal cousins, walk-about through the island, meet local children, get to know the local heritage, arts-and-crafts, places of walk-about and Madeiran traditions, and that go to get to know the «human Beehive» of thier aunt, a philantropical organisation by her coordinated in which underprivileged children raised from the street were taken-care-of, dressed-up and fed, beyond being taught to sow clothes and we received school classes. The tone (of the aunt and of the narrator) associated to these passages could be rather condescending and paternalistic (especially towards dusky poor Madeiran children and Gypsy children), but it doesn't obscure completely a certain social intent and an anti-social and moral corruption position which is really civic and useful. As along the holidays go passing by, it becomes cler that the father of the children is not very present and little does talk, the mother of them being the true organiser of the house (this becomes somewhat melancholic in retrospective seen that in the book of the author "Maria Francisca Teresa", two books onwards, O Tio Gustavo/"The Uncle Gustavo" from 1925, the children already are orphan by father, what launches some light on this dimness and vacuity of the father in this book, that can so be already "dimmed" by already being dying... or maybe the author had decided "to kill him" afterwards of seeing his small utility to the books of this "series").
Despite the holidays increasing a consciousness of the partial Madeiran roots of the children and of the specificity of Madeira within Portugality, the nostalgia of the native Lisbon and of the continental Portugality goes increasing, but of course thqt the holidays end by the time that the nostalgia grips the most hence that "all is well that ends well" (except for the father tht eventually passes away into the following books, but well, nothing is perfect). And the rest is story for the other books of the author, Chica Conheceu Jesus ("Chica Met Jesus", 1925) and the mentioned O Querido Tio Gustavo, in which Chica, the mother and the brothers return, now in non Madeiran family scenarios, and continuesthe moralisation and nearing both to lesser known or even somewhat "pariah" family members (like the maddened uncle Gustavo of the namesake) and to religion (mainly in the second book). Despite a moralism sometimes boring or forced, the book describes well the process of alphabetisation and the cooperative-corporatist educational methods typical of a right wing of the "historical republicanism" and about 10 years afterwards of the New State, in way more realistic than it seems (although today we think that maybe a teaching system so described be a thing of paternalistic fiction), but forgeting the much of "insult" to the resisting student and of violent or threat against it to convince it to learn (the easy way or the hard way), as it can be seen about the «human Beehive».
Despite the holidays increasing a consciousness of the partial Madeiran roots of the children and of the specificity of Madeira within Portugality, the nostalgia of the native Lisbon and of the continental Portugality goes increasing, but of course thqt the holidays end by the time that the nostalgia grips the most hence that "all is well that ends well" (except for the father tht eventually passes away into the following books, but well, nothing is perfect). And the rest is story for the other books of the author, Chica Conheceu Jesus ("Chica Met Jesus", 1925) and the mentioned O Querido Tio Gustavo, in which Chica, the mother and the brothers return, now in non Madeiran family scenarios, and continuesthe moralisation and nearing both to lesser known or even somewhat "pariah" family members (like the maddened uncle Gustavo of the namesake) and to religion (mainly in the second book). Despite a moralism sometimes boring or forced, the book describes well the process of alphabetisation and the cooperative-corporatist educational methods typical of a right wing of the "historical republicanism" and about 10 years afterwards of the New State, in way more realistic than it seems (although today we think that maybe a teaching system so described be a thing of paternalistic fiction), but forgeting the much of "insult" to the resisting student and of violent or threat against it to convince it to learn (the easy way or the hard way), as it can be seen about the «human Beehive».
So in this text of a certain neo-Romanticism, the grandmother closens up again to her family in blood relation but faraway in geography, the society goes evolving and being educated, although in a way religious and paternalistic), the children have the "holidays of a lifetime" and a certain experiment of maturing (although the eldest of the brothers is not even 10 years-old), and the comfortably-off and thrifty bourgeoisie continues thus and helps even philantropically to "rise-up" socially some of the human «bees» of the «Behive». Not oly the grandmother matriarch but the Portuguese "mother-earth" matriarch, and specifically the Madeiran, goes raising their children. This book inaugurates another category in our Portuguese children's/young-people's literature, the one of bourgeois family and of realistic (no matter howromanticised it may be, this is a book of a certain portrait of a certain form of real life) children's life family novel, and with his dreams and his version somewhat pink of a certain privileged strata of the Portuguese society of the end of the Portuguese 1st Republic (the original book seems to insinuate that the book is set in the beginning of the 20th century, hence in the constitutional monarchy, but that is impossible seen that the next book is set in the '20s decade and the children only got 2 years more, hence beginning of the century would be used in "lato senso" form by the author if we read the "series" as being in realistic time, otherwise it is just an adapting of the first book to the Madeira of 1900 the author did know and the resetting of the second book to the then current times), can not only entertain the reader competently and fulfil its ideological role of its historical period of appearance: of giving us a traditionalist, patriotic and optimist vision that gives us a certain faith on the rest of the human species around us. The book, very rare although a residual hit at the time (and to deserve re-editions today), it can be read, together with the other two books from this "series" of the author, in fragments (with abstract of the rest of the text of the 3 books) in this article of the Galician magazine Veredas ("Footpaths").
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