sábado, 18 de julho de 2015

"Os Homens da Cruz Vermelha", Carlos Pinto de Almeida // "The Men of the Red Cross", Carlos Pinto de Almeida

Carlos Pinto de Almeida não será um nome familiar para a maioria dos leitores desta publicação. Não é sequer comummente estudado no ensino português ou outros lusófonos, ou mencionado na maioria das enciclopédias ou dicionários de literatura. Mas para aqueles que ainda o conhecem e lêem, o nome do autor Lisboeta radicado na Golegã é sinónimo de aventuras, narrativas de piratas, guerreiros Árabes e resistências portuguesas de períodos passados, de lutas por honra e narrativas à moda do orientalismo exótico (embora todos estes elementos, fora as aventuras, resistências portuguesas de períodos passados e lutas por honra, estejam presentes noutros livros do autor que não este).
Antes de começar a escrever nos meados-final do século XIX, época de florescer da literatura moderna pós-Romântica portuguesa e do Portugal da Regeneração, Pinto de Almeida fora um burocrata do governo local da Golegã, vindo de fundo familiar pouco notável e que acabou por escrever para vários períodicos da imprensa da altura (como o Diário de Notícias), em que se notabilizou principalmente por folhetins ficcionais, para além de traduzir obras sobre temas de discussão religiosa e histórica (como a obra do Francês Renan sobre o possível Jesus histórico que já referimos a propósito de A Relíquia), escrevendo também obras suas do mesmo tipo e alimentando folhetos de polémica anti-clerical. Foi na literatura e no anticlericalismo liberal que Carlos Pinto de Almeida encontrou a sua vocação e a sua filosofia pessoal.
De funcionário público "de baixa patente" a jornalista, tradutor e polemista ele passou a escritor, e aproveitando a lenta alfabetização da pequena-burguesia e da classe baixa com posses para escrever para um novo público interessado em narrativas tardo-Românticas de aventura e heroísmo em terras distantes exploradas pelos Portugueses, ou ainda menos conhecidas, ou pelo menos indo ao "país estrangeiro" do passado (relativamente recente, no caso da maioria da sua obra), que atraíam principalmente jovens leitores que queriam conhecer novas realidades, e o passado, de formas mais agradáveis que pelos compêndios eruditos, lendo antes estes livros que lhes mostravam aventuras que no final do século XIX europeu burguês e levemente industrial já não havia e "formar-lhes" o espírito para o patriotismo e a vida moral adulta.
E foi com esses fitos que este autor nos apresentou a D. Álvaro, nobre do tempo das Invasões Franceses (a que voltamos novamente, espero que sem problema para os nossos leitores), que é uma figura honrada que tentava servir de casamenteiro entre D. José, seu amigo, e D. Beatriz, uma dama de condição superior (mesmo sendo todos da aristocracia; como se sabe todas as classes sociais têm dentro delas as suas graduações); D. Álvaro serve aqui como um símbolo de um tipo de aristocrata já extinto à altura da publicação original deste livro (em 4 volumes) em 1880, depois das Invasões Francesas e da implantação do regime liberal. Além deste foco sentimental (que dá sempre jeito para dar um núcleo forte para um enredo longo e com muita expansão no tempo e em detalhes de acção), Álvaro e José, como muitos neste tempo, viram-se forçados pelas circunstâncias a juntar-se a uma luta inicialmente puramente de guerrilhas populares (como vimos na publicação anterior), para tentar salvaguardar o seu país (e, mais pessoalmente, a vida que tinham e que a criação de uma nova classe dominante sob a ocupação francesa ameaça terminar), com um grupo de patriotas diverso incluindo militares, polícias, advogados, frades, uma versão masculina da beata de igreja e o Capitão Mateus, um fanfarrão de aldeia extremamente patriota (personagem extravagante sempre interessante de "ver" agir).
Ao longo destes quatro volumes há demasiados detalhes para descrever demasiado a fundo sem ou alongar demasiado a publicação ou revelar demasiado do livro(s) em causa, mas devo tornar claro que ao longo do enredo claramente definido em termos de estrutura geral (a situação sentimental José-Beatriz a resolver e a Invasão a derrotar) mas também muito episódico, há imensos combates, perseguições, capturas, libertações, "justicialismo" a trabuco e punhal ou faca e alguidar, personagens que entram em cena e desaparecem ou falecem de todo (de idade ou da guerra), vinganças dos mortos, e vemos a divisão dos Portugueses, com alguns, por razões políticas (como alguns liberais pró-Franceses, como vimos em Os Guerrilheiros da Morte) ou razões pessoais, auxiliando o Exército de Napoleão Bonaparte.
"Insisto, quero falar a Sua Alteza." (cena do III volume)
Neste caso, felizmente, os 4 volumes significam mais um enredo bem desenvolvido e não apressado ou excessivamente condensado do que uma leitura pesada ou imensamente arrastada, sendo um deleite ler esta narrativa desde ainda antes da 1.ª Invasão Francesa (começando o enredo narrando a paz relativa da Europa em 1802, com a França a recuperar da violenta revolução e com Napoleão a converter a república numa monarquia imperial consigo como soberano, e descrevendo a vida dos seus personagens ficcionais nesse ano) até maquinações de alguns personagens fidalgos para seu lucro pessoal (possivelmente envolvendo os Franceses). Depois de muitas aventuras dos personagens narrados e outros dos seus "coadjuvantes" (talvez dos mais interessantes de ler sendo Mateus), vemos a 1.ª Invasão Francesa (este livro cobre menos ainda do período total das Invasões Francesas de Portugal que a Os Guerrilheiros da Morte) a evoluir até ao seu fim, sendo derrotada e seguindo-se à Convenção de Sintra (ou na grafia da época das Invasões e da publicação original do livro, «Cintra») de 1808 o terror de nobres traidores que cairão como que fulminados pelo terror de serem deixados sozinhos com a ausência dos protectores estrangeiros (embora estes fossem regressar em breve, mas claro que na altura ninguém, talvez nem mesmo os militares Franceses, poderia saber tal coisa), e seis meses depois disso associados de um dos nobres traidores pedem perdão aos que injustiçaram, tendo as antigas vítimas tomado conta dos filhos inocentes de tais pais, para além de Álvaro desposar Beatriz no lugar de José (é uma longa história que é melhor confirmarem nos volumes III e IV), outros heróicos resistentes à invasão são promovidos na hierarquia militar, continuam com sucesso profissões do pré-guerra, conseguem posições na polícia (e mantêm intimidade com nobreza local), são recompensados monetariamente e em terras por D. Álvaro, conseguem a atraente posição de mordomo da parte dos seus empregadores, retornam ou ingressam pela primeira vez na vida conventual (expiando os Franceses que haviam ajudado «a mandar para a eternidade») ou (no caso do Capitão Mateus) continuando a ser fanfarrões e muito patriotas como sempre (mas fugindo ao chefe de repartição da polícia e ex-companheiro na guerra, segundo o autor por lá ter «as suas razões»), um final e uma caracterização de acordo com a visão romantizada deste autor (como de outros deste período ou depois) de pequenos heróis locais de província, filibusteiros, algo troca-tintas, mas mesmo assim aventureiros e agradáveis (como aliás, muitos dos outros 'heróis menores' da guerrilha deste romance).
Neste romance, para além do deleite de romance de aventuras, temos a escrita polida dos autores mais eruditos do século XIX e a apresentação de informação histórica e geográfica sobre as várias partes de Portugal percorridas ao longo do enredo (e mesmo algumas referências soltas ao resto da Europa). É curioso porém saber que Carlos Pinto de Almeida era um homem essencialmente livresco, que não tivera experiência militar de conta nem grandes aventuras "em pessoa" na sua vida e com poucas viagens pelo mundo na altura em que começou a sua carreira de escritor de ficção de aventuras (primeiro em publicações e depois em livros), tendo assim pouca experiência ou conhecimento pessoal de grupos de guerrilheiros (lembremos que poderia tê-la em Portugal, com os muitos guerrilheiros e salteadores miguelistas ou liberais do Portugal pré-Regeneração e mesmo dos primeiros anos desse período, os mais tardios tendo sido o bando do Zé do Telhado no Minho e Douro Litoral e a guerrilha e bando de João Brandão nas Beiras, ou poderia tê-la em Espanha com as várias guerrilhas ditas Carlistas até aos anos de 1870), viajantes ou exércitos invasores. A sua matéria factual para criação vinha quase toda de livros de história, compêndios e jornais, para além do seu estilo e alguma da "musculatura" para as suas aventuras vir de imitação de livros de material de aventura e guerra nos romances históricos mais medievalistas de Alexandre Herculano (que já aqui vimos no Eurico, o Presbítero), cujo estilo ele passou para épocas mais próximas do seu tempo (seguindo exemplo de outros romancistas históricos do seu tempo). Desta mistura de criatividade e imaginação do autor, criou-se este romance ainda hoje bastante legível, interessante pelo seu discurso em termos do valor da aventura para formação de carácter ou do patriotismo, e a crítica que faz ao puritanismo eclesiático nas figuras do frade (embora não atacando abertamente ou totalmente a crença ou a religião como todo), para além da crítica que dá a excessos ideológicos ou de interesse de classe pessoal (principalmente de elites que traem a sua própria nação pelo seu lucro pessoal), de forma que ainda encontramos o legado de livros como este ou Os Guerrilheiros da Morte, por exemplo, em filmes como As Linhas de Wellington de 2012, que sendo obras originais ainda têm porém a filosofia subjacente e a abordagem ficcional e de enredo e tipo de personagens (em elencos alargados) destes dois romances de pouco mais de um século antes, e, mais romantismo menos romantismo, a abordagem mantém-se sempre actual e atraente nos seus "esqueletos" básicos (apesar de o filme cobrir a última das 3 invasões e não o início das invasões como os dois romances que por aqui passaram).
Quase que poderia ser um filme de Os Homens da Cruz Vermelha, mas não é
Quanto ao livro, é raro de achar em bibliotecas (existe na Biblioteca Nacional de Portugal) e tem quase nenhumas edições modernas, mas encontram-se os 4 volumes no Internet Archive.


Carlos Pinto de Almeida would not be a familiar name to the majority of this post's readers. It is not even commonly studied in the Portuguese or other Portuguese-speaking teaching-systems. But for those who still know him and read him, the name of the Lisboner writer established on Golegan town is synonymous with adventures, narratives of pirates, Arabian warriors and Portuguese resistances of past periods, of fights for honour and narratives in the fashion of the exotic orientalism (although all these elements, aside the adventures, Portuguese resistances of past periods and fights for honour, are present in other books of he author not this one).
Before starting to write in the mid-late-19th century, time of florishing of the Portuguese modern post-Romantic literature and the Portugal of the Regeneração/Regeneration, Pinto de Almeida had been a Golegan local government bureaucrat, coming from little remarkable a family background and who ended writing for several press periodical of the time-point (as the Diário de Notícias/"News Daily"), in which he became noticed mainly for fictional feuilletons, besides translating works on religious and historical discussion themes (as the work by the Frechman Renan on the possible historical Jesus that we already refered about A Relíquia/The Relic), writing also works of his in the same type and feeding fliers of anti-clerical polemics. It was in literature and on liberal anticlericalism that Carlos Pinto de Almeida found his calling and his personal philosophy.
From "low rank" public servant to journalist, translator and polemicist he passed to writer, and taking advantage of the slow alphabetisation of the petite bourgeoisie and of the property-owning lower class to write for a new audience interested in late-Romantic narratives of adventure and heroics in distant lands explored by the Portuguese, or even less known, or at least going tot he "foreign country" of the past (relatively recent, in the case of most of his oeuvre), that attracted mainly young readers that wanted to know new realities, and the past, in more agreeable ways than by the scholarly compendia, reading instead these books that showed them adventures that at the bourgeois and lightly industrial European late-19th century there were no longer and "to form them" the spirit into patriotism and the adult moral living.
And it was with those goals that he introduced us to Don Alvaro, nobleman from the French invasions time (to which we comeback, I hope that without problem for our readers), who is a honoured figure that tried to serve as matchmaker between Don Jose, his friend, and Dona Beatriz, a dame of superior standing (even being all from the aristocracy; as it is known all the social classes got within themselves their gradings); Don Alvaro serves here as a symbol of a type of aristocrat already extinct at the time of this book's original publication (in 4 volumes) in 1880, after the French Invasions and the liberal regime's establishing. Besides this sentimental focus (that comes always handy for a strong core to a plot long and with much expansion in time and in action details), Alvaro and Jose as many at this time, saw themselves forced by the circunstances to join up to a struggle initially purely of popular guerrillas (as we saw on the previous post), to try to safeguard to their country (and, more personally the life that they had and that the creation of a new ruling class under the French occupation threatened to finish-off), with a diverse group of patriots including military-men, policemen, barristers, friars, a male version of the church-lady and the Captain Mateus, an extremely patriot village boaster (extravagant character always interesting to "see" act).
Throughout these four volumes there are too many details to describe too deeply without either stretching out too much the post or revealing too much of the book(s) at stake, but I must make clear that throughout the plot clearly defined in terms of general structure (the Jose-Beatriz sentimental situation to sort out and the invasion to defeat) but also very episodic, there are loads of combats, chases, captures, releases, "vigilantism" by trebuchet and dagger or cloak and dagger, characters that enter the stage and disappear or pass-away at all (out of age or of the war), revenges on the dead, and we see the division of the Portuguese, with some , for political reasons (like some pro-French liberals, as we saw in Os Guerrilheiros da Morte/"The Guerrillas of Death") or personal reasons, aiding to the Army of Napoleon Bonaparte.
"Insisto, quero falar a Sua Alteza" ("I do insist, I want to talk to His Highness." (scene from the III volume)
In this case, fortunately, the 4 volumes mean more a well developed and not rushed or excessively condensed than a heavy or immensely dragged-out read, being a delight to read this narrative from just before the 1st French invasion (starting the plot narrating the relative peace of Europe in 1802, with France recovering from the violent revolution and with Napoleon converting the republic into an imperial monarchy with himself as sovereign, and describing the life of his fictional characters that year) till machinations of some landed-gents for their personal profit (possibly involving the French). After many adventures of the narrated characters and other "adjunct" characters of theirs (maybe out of them most interesting to read being Mateys), we see the 1st French Invasion (this book covers even less of the total period of the French Invasions than The Guerrillas of Death) evolving till its end, being defeated and following itself the Convention of Sintra (oe in the spelling of the period of the Invasions and of the book's original publication, «Cintra») from 1808, the dread of the traitor nobles that shall fall as if smited by the terror of being left alone in the absence of the foreign protectors (although these were to return soon, but of course that at the time nobody, maybe not even the French military, could have known such a thing), and six months after that associates of one of the treasonous nobles that ask for forgiveness to the ones they done wrong to, having the former victims taken care of the innocent children of such parents, besides Alvaro beweding Beatriz in Jose's stead (it is a long story that is better for you to check yourself in the III and IV volumes), other heroic resistance-fighters to the invasion ar promoted on the military hierarchy, they continue with success pre-war jobs, achieve positions in the police (and keep intimacy with the local nobility), are rewarded monetarily and in lands by Don Alvaro, get attractive positions of butler from the part of his employers, returning or joining-in for the first time into the convent life (attoning for the French that they'd helped «send into eternity) or (in the case of the Captain Mateus) continuing to be boasters and very much so as patriotic as always (but running away to the police departmment's chief and ex-war companion, according to the author for having «his reasons»), an ending and a characterisation in agreement with this author's romanticised vision (as the one of others of this period or afterwards) of small provincial local heroes, filibusters, somewhat daubers, but even so adventurers and agreeable (as more so, many of the other guerrilla 'minor heroes' of this novel).
In this novel, besides the delight of the adventure novel, we got the polished writing of the more erudite 19th century authors and the presentation of historical and geographical information on the several parts of Portugal treaded along the plot (and even some loose references to the rest of Europe). It is curious to know that Carlos Pinto de Almeida was an essentially bookish man, who did not have militry experience nor grand adventures "in person" in his life and with few travels through the world at the time in which he started his adventure fiction writer's career (first in periodical publications and then in books) having thus little experience or personal knowledge of guerrilla groups (let us recall that he could have had it in Portugal, with the many miguelist or liberal guerrillas and raiders of the pre-Regeneration Portugal and even of the first years of that period, the latest having been the Ze from the Rooftop band on the Minho region and Douro And Oporto Coastline region and the Joao Brandao guerrilla and band on the Beiras regions, or could have it in Spain with the several said Carlist guerrillas till the 1870s), voyagers or invading armies. His factual matter set for creation came almost all from history books, compendia and newspapers, besides his style andsome of the "musculature" for his adventures coming from immitation of books of adventure and war material in the more medievalist historical novel by Alexandre Herculano (that we already saw here in the Eurico, the Presbiter), whose style he passed to closer to his time (following the example of other historical novelist of their time). From this mixture of author creativity and imagination, created itself this novel still today rather readable, interesting for its discourse in terms of the value of the adventure for the character or patriotism formation, and the criticism that it does to the eclesiastic puritanism in the figure of the friar (although not attacking openly or totally believing or religion as a whole), besides the critique that it gives to ideological or personal class interest excesses (mainly of elites that betray their own nation for their personal profit), in way tht we still find the legacy of books like this one or The Guerrillas of Death, for example, in films like As Linhas de Wellington/The Lines of Wellington from 2012, that being original works still got though the underlying philosophy and the fictional and plot/character type approach (in large casts) of these two novels from little more than a century ago, and, give or take romanticism, the approach keeps itself ever current and attactive in ther basic "skeletons" (despite the film covering the last of the 3 invasion and not the start of the invasions like the two novels that through here did pass).
Almost that it could be a film of The Men of the Red Cross, but it is not
About the book, it is rare to find in Portuguese libraries (it exists in the Portugal National Library) and has almost no modern editions, but it do find themselves the 4 volumes at the Internet Archive.

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