sexta-feira, 6 de novembro de 2015

"O Pretinho" de Angola", César de Frias // "The Little-negro from Angola", Cesar de Frias

A história dos negros no Império Português tem andado a ser feita a várias velocidades. Obviamente as historiografias dos PALOPs têm feito uma boa cobertura da história pré-colonial e colonial das suas populações africanas, e no Brasil desde o surgimento de um movimento negro de inspiração norte-americana que têm sido feitos esforços de escrever a história negra no Brasil. A história dos negros em Portugal em si, continente e ilhas, essa história tem sido menos explorada. Por razões óbvias, a começar porque Portugal enquanto império estava bastante "segregado" geograficamente (o grosso da população branca estava no território europeu, o grosso da população negra estava em África ou enviada para trabalho escravo no Brasil, com excepções de população colonizadora branca fora da Europa e alguns escravos ou negros livres, ex-escravos ou não, no Portugal europeu), depois o facto de não haver registos muito precisos sobre a população pré-moderna de Portugal e quanto a envios de negros escravizados ou chegada de embaixadores de reinos negros ou afins não permite ser muito detalhado (no século XVII calcula-se que só os escravos africanos eram 10% da população de Lisboa, 10 mil escravos, mas não se tem certeza quantos africanos libertos haviam e se de facto a quase totalidade dos negros em Portugal estavam em Lisboa) excepto se o historiador quiser ser bastante extrapolador e imaginativo mais do que devia, e acima de tudo porque a presença ou visita por negros antes do século XX ou XXI foi "vítima" de mistificações por razões ideológicas de vários tipos: entre ultra-nacionalistas, qualquer presença africana antes da descolonização ou da construção da Zona J de Chelas era inexistente ou residual (e essa é uma nação pura étnica e culturalmente a emular), entre activistas anti-racistas pelo contrário imagina-se uma mítica população 15% negra (portanto ainda maior que a população permanente actual segundo a maioria das estimativas) em pleno século XV (e um mítico Portugal "antigo" com uma população negra contínua e enorme histórica é apresentada como modelo a emular para o Portugal actual), quando qualquer observador neutro admitirá que ninguém poderá indicar números exactos e não havia nenhuma população permanente visto que a maioria seguia os endinheirados que partiam para as colónias ou pela Europa fora e a maioria era enviada para servidão no Brasil ou o estrangeiro e não Portugal, daí que em dias de grande tráfego de barcos negreiros para Lisboa, num dia até podia a população de Portugal triplicar só por chegada de escravos, a maioria dos quais podia já nem estar no país no dia seguinte.
Assim esta questão que devia ser meramente estatística e histórica sofre de debates ideológicos que lhe deviam ser alheios, e por exemplo, mesmo entre anti-racistas há um bipolarismo entre dizer que Portugal é um Estado construído sobre imperialismo, opressão e racismo, e que Portugal apesar de tudo isso nalguma forma tem um passado de país de inserção de população africana e que o Portugal de hoje é que tem uma "amnésia histórica" e se esquece que o negro nunca foi estranho ao país (usando no fundo a mesma lógica dos ultra-nacionalistas: a história e a tradição são base de tudo, e o presente deve ser conforme um passado idealizado que nunca existiu). A verdade encontra-se algo entre os dois polos: obviamente que antes dos anos '90 a população negra (como aliás toda a não-branca ou não-Portuguesa) permanente era residual, nem 1%, havendo excepções como negros que tinham acompanhado os Portugueses de África radicados na Europa com a descolonização, velhos criados escravos e seus descendentes, pequeno número de mulatos e mestiços afins, sendo que apesar de haver negros residentes desde o século XV, normalmente eram criados ou escravos que morriam como tal e não tinham (devido ao número de negros em Portugal e ao facto de muitos dos libertos virarem clérigos e portanto deixar descendência não era opção) grande capacidade de se reproduzirem e criarem uma geração seguinte nativa de Portugal (pelo que apesar de haver residentes negros desde essa época recuada, é mais provável haver hoje brancos descendentes de algum desses do que algum Português negro actual ser herdeiro destes, e mesmo esses brancos, como no caso da gente de São Romão na Margem Sul recuam a ascendência só ao século XVIII e não XVI como antes se pensava), e embora o negro fosse um outro à margem da sociedade, isso era mais notado com as primeiras gerações que vinham da África islâmica ou animista e portanto estavam cultural e religiosamente mais separados do Portugal culturalmente europeu e religiosamente católico, havendo porém "portas" abertas para alguma possibilidade de integração social (como hoje, ser africano e rico era uma coisa diferente, além de que nos tempos antes do surgimento do "racismo científico" oitocentista a integração do negro por assimilação cultural/religiosa e casamento com brancos da mesma classe social era mais aceitável e sobrepunha-se à questão étnica).
A imagem na cultura portuguesa dos negros assim oscilou sempre entre "o outro" e alguém digno de solidariedade e "assimilável". O documentário As Jóias Negras do Império de Anabela Saint-Maurice (parte da série O Lugar da História da RTP nos anos de 1990 e início deste século) faz não só um bom relato da história de alguma população negra de Portugal e da escravatura em geral no Império Português como nos mostra algumas imagens na publicidade portuguesa, não só em anúncios míticos como o da Pasta Medicinal Couto como outros menos vistos que usam da iconografia que os Anglo-Saxónicos chamam "darky imagery" ou "imagética de escurinho" (termo em Portugal menos usado e portanto até em muito PNR criou estranheza quando Arménio Carlos o usou). Ora, embora o lusotropicalismo tenha os aspectos de mito exagerado conhecidos, não deixa de ser estranho ver "imagética de escurinho" em Portugal, para começar porque havendo bastante menos negros no Portugal europeu, não daria tanto "gozo" racista gozar com uma população que maioritariamente não estava cá para ser ofendida, segundo essa imagética era no fundo uma "americanice", que era adoptada na Europa e mesmo Ásia só ocasionalmente e por "globalização" e quase como referência propositada a produtos norte-americanos, e por fim porque para anúncios de marcas que serviam populações das colónias por vezes o grafismo era suavizado porque, em África, o negro era potencial comprador, e não se podia "gozar" com o cliente mesmo que de facto o vendedor o achásse sub-humano, e principalmente depois da II Guerra Mundial Portugal tentava rever a imagem do africano para propagandear um Portugal multirracial e pluricontinental.
É por causa disso tudo (perdoem-me estes preliminares) que este livro é tão estranho: apesar do título (lembremos que na altura "preto" era o termo standard para negro) o livro é relativamente progressista (embora incontestavelmente paternalista) para a época (1930), apresentando a personagem título como um "poço de virtudes", o verdadeiro herói do livro, que surge muito mais virtuoso que o menino branco com que começamos o livro mas ele tem... este aspecto... 
Ora é este o nosso herói, Jobim. Credo. Olhem só para isto. Olhem. Apesar disto, o enredo desta novela infantil em si é bastante agradável: Nini, o filho de uma família de colonos brancos em Angola, recebe como presente de Natal a companhia de um órfão negro, Jobim (embora ver um subtexto de escravatura "benevolente" aqui seja natural, César de Frias, novelista notório na sua época e tão esquecido poucos anos depois que ninguém sequer sabe quando morreu, trata a relação de ambos de forma delicada e natural), sendo que ele vê dita companhia como um mero presente e "objecto", porém a cada peripécia ele Nini surge com mais defeitos e Jobim surge mais dignificado e bom, acabando a criança branca por deixar de parte os seus defeitos e tornar-se mais virtuoso, envergonhando-se do seu eu passado e também por exemplo do "pretinho" Jobim. Apesar da evolução do mundo, como as aventuras indianas de Rudyard Kipling, esta novela poderia ler-se bem hoje em dia, mas precisaria claro de mudar o título para "O Negrinho de Angola". E de mudar desesperadamente de ilustrações. A sério, é difícil levar Jobim a sério como personagem digna quando ele tem esta fronha. Diz-nos muito sobre a evolução do "país e do mundo" como diria Rodrigo Guedes de Carvalho o facto de em tempos jornais publicitarem este livro louvando as ilustrações.


The history of blacks in the Portuguese Empire has been going being made at several speeds. Obviously, the historiographies of the PALOPs (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa, "African Countries of Portuguese Oficial Language) have been doing a good coverage of the precolonial and colonial history of their african populations, and in Brazil since the appearance of a North American inspired black movement that there have been made efforts of writing the black history in Brazil. The historh of black in Portugal itself, continent and islands, that history has been much less explored. For obvious reasons, starting because Portugal while empire was rather geographically "segregated"(the thick of the white population was on the european territory, the thick of the black population was in Africa or sent for slave work on Brazil, with exceptions of white colonising population outside of Europe and some slaves or black free, ex-slaves or not, on the european Portugal), following the fact that there are not very precise records on Portugal's premodern population and about the shippings of enslaved black or arrival of ambassadors from black kingdoms and alike does not permit to be very detailed (in he 17th century it is measured that the african slaves alone were 10% of Lisbon's population, 10 thousand slaves, but it is not quite certain about how many freed african slaves there were and if in fact the almost totality of the blacks in Portugal were in Lisbon) except if the historian wants to be quite extrapolator and imaginative more than one should be, and above all because the presence or visit by blacks beforethe 20th or 21st century was "victim" to mystifications for ideological reasons of several types: among ultranationalists, any african presence before the Portuguese decolonisation or the construction of the Zona J neighbourhood from the Chelas place was inexistent or residual (and that is a ethnic and culturally pure nation to emulate), among antiracist activists on the contrary it is imagined a mythical 15% black population (hence even bigger than the current permanent population according to most estimates) in full-on 15th century (and a mythical "ancient" Portugal with a continuous and enormous is presented as model to emulate for the current Portugal), when any neutral observer will admit that nobody can indicate exact figures and there was no permanent population seen that the majority followed the moneyed who parted for the colonies or throughout Europe and the majority was sent to servitude in Brazil or abroad and not Portugal, hence that in days of large transit of black-slaver boats to Lisbon, in one day it could well the population of Portugal triple only by the arrival of slaves, the majority of which could not even be in the country on the following day.
So this issue that should be merely statiscal and historical suffers with ideological debates that should be outward to it, and for example, even between antiracists there is a bipolarism between saying that Portugal is a state built on imperialism, oppression and racism, and that Portugal despite all that in some way has a past of country of insertion of african population and that the Portugal of today as a "historical amnesia" and forgets itself that the black was never foreign to the country (using at the end of it the same logic of the ultranationalists: history and tradition are basis of everything, and the present must be according to an idealised past that never existed. The truth finds itself between the two poles: obviously that before the '90s the permanent black population (as by the way all the non-white or non-Portuguese population) was residual, not even 1%, there being exceptions as blacks tat had accompanied the Portuguese from Africa established in Europe with the Portuguese decolonisation, old servants or slaves an their descendants, small number of mulattos and alike halfbreeds, being that despite there being resident blacks since the 15th century, normally they were servants or slaves that died assuch and didn't have (due to the number of black in Portugal and to the fact of many of the freedmen turning clerics and hence leaving descent wasn't an option) much capacity of reproducting and raising a following generation native to Portugal (so that despite there being black residents since that far-back period, it is more likely today to have whites descendentes from some of those than some current black Portuguese being heirs to those, and even those whites, as in the case of the folk of Sao Romao on the Tagus South Bank go back their ancestry just to the 18th century and not 16th as earlier thought), and although the black-man were one other at the margin of the society, that was more noticed with the first generations that came from the islamic or animist Africa and hence were culturally and religiously more separated from the culturally european and religiously Catholic Portugal, there being "doors" open to some possibility of social integration (as today, being african and wealthy was a different thing, besides that in the times before the comingup of the eighteen-hundredth "scientific racism" the integration of the black-man by cultural/religious assimilation and marriage with whites from the same social class was more acceptable and overlayed itself to the ethnic issue).
The image in Portuguese culture of the blacks so oscillated between "the other" and someone worthy of solidarity and "assimilatable". The documentary As Jóias Negras do Império (""The Empire's Black Jewels") by Anabela Saint-Maurice (part of the series O Lugar da História from the RTP TV in the 1990s and beginning of this century) does not just good report of the history of some black population of Portugal and of slavery in general in the Portuguese Empire as it shows us some pictures on Portuguese advertisement, not only in mythical ads like Pasta Medicinal ("Medicinal Tooth Paste") Couto's one as others less seen that use of the iconography that the anglo-saxonics call "darky imagery" or in Portuguese "imagética de escurinho" (term in Portugal less used and hence even in many a National-Renovator-Partisan it created strangeness when Communist trade unionist Arménio Carlos used it). well, although lusotropicalism has the known aspects of exagerated myth, it doesn't cease being strange seeing "darky imagery" in Portugal, for starters because there being rather less blacks in european Portugal, it would not give as much racist "kicks" to mock a population that mostly was not here to be offended, second that imagetic all in all was an "americana", that was adopted in Europe and even Asia only occasionally and by "globalisation" and almost as purposeful reference to North American products, and at the bottom of it because for commercials of brands that served populations from the colonies sometimes the graphics were softened because, in Africa, the black was a potential buyer, and one could not mock the client even if the seller indeed thought of him as subhumanm and mainly after World War II Portugal tried to revise the image of the African for propagandising a multirracial and pluricontinental.
It is because of all that (forgive me these foreplays) that this book is so strange: despite the title (let us remember that at the time-point "negro" was the standard term for black) the book was relatively progressive (though undisputedly paternalistic) for the period (1930), presenting the title character as a "paragon of virtues", the true hero of the book, that comes-up much more virtuous than the white little-boy we start the book with but he has... this look... 
Well this is our hero, Jobim. Darn it. Just look at this. Look at it. Despite this, the plot of this children's novella is quite agreeable: Nini, the son of a family of whit settlers in Angola, receives as Christmas present the company of black orphan, Jobim (although seeing a subtext of "benevolent" slavery here be quite natural, Cesar de Frias, notorious novella-writer in his period and so forgotten few years after that nbody even knows when he died, treats the relation of both in delicate and natural way), being that he sees said company as mere present and "object", yet at each mishap he Nini comes-up with more flaws and becoming more virtuous, shaming himself on his past self and also by example of the "little-negro" Jobim. Despite the world's evolution, as with Rudyard Kipling's Indian adventures, this novella could well be read nowadays, but would need of course to change the title for "O Negrinho de Angola" ("The Black Little-Boy". And to change desperately illustrations. For real, it is hard to take Jobim seriously as a worthy character when he has this mug. It tells us much on the evolution of "the country and the world" as would say Portuguese anchorman Rodrigo Guedes de Carvalho the fact that times aback newspapers advertising this book praising the illustrations.

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