quinta-feira, 12 de novembro de 2015

"História de D. Redonda e da Sua Gente", Virgínia de Castro e Almeida // "Story of Lady Round and of her Folk", Virginia de Castro e Almeida

Na continuação da publicação anterior do blogue, hoje trago outro livro mais esquecido (embora mais acessível em bibliotecas municipais) que pode ser hoje algo mais polémico por evolução daquilo a que hoje se convenciona chamar "sensibilidades raciais". O livro de hoje é História de D. Redonda e da Sua Gente de Virgínia de Castro e Almeida, de 1942, escrito por uma autora originalmente notável pela sua ficção realista para crianças e por vários livros de história de Portugal (incluindo ensaios adultos) e que foi uma escritora, ao longo dos primeiros anos do Estado Novo, de uma série de romances ou de narrativas históricas romanceadas sobre vários períodos da nossa história, sempre vistos por um olhar patriótico e anti-liberal. Esta obra representou uma mudança interessante na obra desta autora: Virgínia de Castro e Almeida, que se estreara com o texto A Fada Tentadora sob o pseudónimo de Gy e depois recusara este texto como uma estreia menor, a princípio considerava que não se devia encher a cabeça das crianças de fantasias, assim as suas primeiras novelas infanto-juvenis (mais juvenis até) nos anos de 1890 e de 1900 eram narrativas realistas, passadas no mundo como o conhecemos, envolvendo protagonistas jovens, os seus guardiões adultos, viagens, e a apresentação dos jovens protagonistas a coisas reais de cada país e factos da ciência (efectivamente fazendo dela a "antepassado" da linha dos livros Uma Aventura de Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada). Pelos anos de 1940, mais velha (e mais pesada; o texto parece insinuar que a Dona Redonda é um alter-ego da autora, como a sua amiga Dona Maluka é um alter-ego da sua amiga e ilustradora Inglesa), mudou de ideias quanto a isto, considerando o fantástico outro nível e forma de verdade, e portanto considerando aceitável o uso do maravilhoso e do irreal para crianças mais velhas e como forma de diversão e também de aprendizagem sobre a diferença real/irreal, sendo esta a sua primeira obra de fantasia desde a obra de estreia, sucedendo-se uma outra. 
Fotografia e perfil da autora numa revista dos princípios do século XX
Torna-se também curioso reparar como esta evolução na obra da autora começou a dar-se com uma evolução ideológica da própria enquanto cidadã: os seus primeiros livros de aventuras juvenis realistas vinham da sua fase de republicanismo liberal e cooperativista, depois sucedendo-lhes livros narrativos ou ensaísticos de história pátria patriótica assinalando a sua evolução para o apoio da direita republicana e depois o Estado Novo (começando nas suas novelas de divulgação histórica o começo das suas cedências quanto ao realismo, embora devidas mais ao uso de linguagem rica de simbolismo do que por uso de maravilhoso irreal propriamente dito), e o seu regresso ao modo fantástico vem neste livro ao fim duma fase sua de quase "ultrapassagem pela direita" do Estado Novo (com aproximação do racialismo Nazi) e o seu segundo livro fantástico juvenil, também com D. Redonda, virá na altura de uma suave ruptura com o Estado Novo e adopção de um certo anarquismo filosófico ainda com espaço para patriotismo e tradicionalismo. E será isso que nos levará ao ponto polémico deste texto, mas já aí iremos...
Apesar de tudo isto, Virgínia de Castro e Almeida bem merecia ser ainda publicada e estar em todas as bibliotecas escolares, pelo papel notável que teve na evolução da literatura infanto-juvenil portuguesa. Ela foi a primeira escritora ou escritor em Portugal que não se limitou a registar contos tradicionais, a escrever livros de contos infantis originais, publicar pequenos volumes só com um conto ou a publicar teatro infantil ou poesia infantil, ajudando a impulsionar a prosa infanto-juvenil portuguesa com originais, longos (novelas e romances) e importando para Portugal o modelo da ficção infanto-juvenil e juvenil de aventuras britânico vitoriano e eduardiano, só uma ou duas décadas depois desse modelo de literatura cristalizar no final da época vitoriana e na passagem para o reinado do sucessor da Rainha Vitória Eduardo VII, sendo a Inglesa Edith Nesbit o paralelo principal da Portuguesa (França adoptava propriamente esse modelo na mesma altura em que de Castro e Almeida o trazia para Portugal: a literatura infantil/infanto-juvenil gaulesa era dominada por prosa longa ou curta tendendo ao moralista de influencia católica e dos contos tradicionais, com os autores mais aventureiros que hoje associamos a literatura para jovens como Júlio Verne na altura sendo considerados autores para adultos ou, vá lá, para jovens, o fosso entre literatura infantil e "genérica" sendo tão grande em França como cá); quem, seguindo o modelo britânico, ajudou a criar um meio-termo entre literatura infantil pura e literatura adulta (o vago conceito de literatura infanto-juvenil, e a criar um espaço "tampão" entre literatura infantil e adulta, a literatura juvenil) em Portugal foi Virgínia de Castro e Almeida, e dizer isto tudo ajuda a perceber a sua qualidade literária, dando para perceber que é uma autora de enredos mexidos, linguagem fácil sem ser facilitista, com enredo excitante e tudo o que se esperava dos melhores autores infanto-juvenis do final do século XIX e inícios do XX. Deve reconhecer-se porém que na lusofonia, Virgínia de Castro e Almeida tivera um precursor na adopção do modelo anglo-saxónico de novela fantástica infanto-juvenil, o Brasileiro Monteiro Lobato com A menina do narizinho arrebitado de 1922 (estreia de Narizinho e lançamento da série de livro sobre o Sítio do Picapau Amarelo).
E. Nesbit e Monteiro Lobato
Este livro passa-se em torno de Chico, um jovem Português que vai andando de bicicleta na floresta na região Oeste de Portugal, sonhando com aventuras caçando em África e afins, quando se encontra por acaso com Dick e Franz, um ruivo Inglês e um loiro Alemão, refugiados da II Guerra (sempre era 1942), e depois de uma breve discussão com o Inglês, os 3 ficam amigos e partem pelo mato em busca de pinhas (e pinhões) e quiçá de aventuras. Ora os 3 encontram em cima de uma árvore uma criança ainda mais nova, uma mulata que dá pelo nome de Zipriti. A partir daqui o livro não deixa ser complexado, visto que apesar de inofensivo, ganha aqui bastante subtexto e elementos claros que podem fazer impressão. Embora desde o princípio o trio seja um conjunto de personificações dos respectivos países e de conjuntos dos defeitos e qualidades estereotipados dos seus povos, isto é inofensivo até a personificação da África europeizada entrar em cena. Mas Zipriti até é uma personagem relativamente inofensiva visto que a sua personalidade quase hiperactiva faz dela interessante para o leitor, e a sua idade pode desculpar isto como caraterização realista de uma criança hiperactiva (apesar de não deixar de se ver assim personificada África como mais nova e mais infantil que os outros 3 países personificados pelas crianças brancas).
Zipriti nas ilustrações originais
Bem pior é quando surge um negro mais velho que trabalha na casa da D. Redonda (uma senhora gorda, redonda literalmente que nem uma bola que acolhe os 4 miúdos como "a sua gente" na sua casa), Bonda, uma figura quase tão infantil como Zipriti, que fala de forma parecida (menos desculpável num adulto), e reparamos que as ilustrações originais representam Zipriti e Bonda como outras "imagéticas darky" como referimos na publicação anterior. Mas pior talvez seja mesmo o que surge no "último acto" da novela: D. Redonda a certa altura começa a rir tanto que perde o juízo e cai ao chão e parte-se em fanicos, literalmente, partindo-se em muitas Donas Redondas pequeninas; os seus amigos guardam todas, e depois magicamente são levados a um caminho para a salvação da D. Redonda, contra vários desafios, e contra cada um, só um dos 4 (Chico, Dick, Franz e D. Maluka, Bonda e Zipriti sendo deixados para trás juntos com os Pikis, os cães de D. Redonda, o que também tem umas certas "implicações infelizes" em termos de subtexto) triunfa sobre o desafio em cada um deles, os outros 4 sendo derrotados por ele (dependendo da personalidade de cada um), e o desafio final, ultrapassado por Chico é um de humildade (de acordo com a imagem do Português humilde e de "pobreza digna") ante um adversário que parece saído de uma caricatura Nazi chamado «Isaac, o Rei dos Avarentos». Esta merece ainda mais um credo que o aspecto do Jobim d'O Pretinho de Angola.
Bem, fora todas estas questões, o livro é fortemente escrito no seu género para esta faixa etária, e é bastante fácil de ler e atraente, tendo várias sequências interessantes em que, depois de encontrarem Zipriti, os 3 rapazes encontram-se transportados no tempo magicamente, assumindo identidades adultas dentro dessas épocas históricas, viajando à conquista de Lisboa por D. Afonso Henriques, ao tempo do Infante D. Henrique como sábios que vão para a Escola de Sagres ver o retorno de marinheiros, e outras peripécias mais cómicas e "comezinhas". Como o livro da publicação anterior, com revisão das ilustrações e mudança neste caso da fala de Bonda (Zipriti como criança pequena ainda vá lá falar tanto na terceira pessoa, num adulto fica bizarro), podia ser um leitura popular. Este livro está presente em edições dos anos de 1990 em quase todas as bibliotecas municipais, e este livro e a sequela da mesma autora surgem também no sítio de downloads português Luso Livros, além de ter sido editada em Barcelona uma tradução castelhana ricamente ilustrada pelo ilustrador Espanhol Jorge Ravassa Masoliver que parece ter sido bastante popular com os leitores jovens locais.
 
Capa de uma edição dos anos de 1990 e a capa "modernizada" da Luso Livros


In the continuation of this blog's previous post, today I bring another book more forgotten (although more accesible in Portuguese municipal libraries) that can be today somewhat more polemic by evolution of what today is established to be called "racial sensibilities". Today's book is História de D. Redonda e da Sua Gente ("Story of Lady Round and of her Folk") by Virginia de Castro e Almeida, from 1942, written by an author originally remarkable for her realistic fiction for children and by several books of history of Portugal (including adult essays) and who was a writter that throughout the first years of the Portuguese New State, of a series of novels or romanced historical narratives on several periods of Portugal's history, always seen by an anti-liberal patriotic gaze. This work represented an interesting change on this author's work: Virginia de Castro e Almeida, who debuted herself with the text A Fada Tentadora ("The Tempting Fairy") under the pseudonym of Gy and afterwards refused that text as a minor debut, at first considered that one should not fill children's heads with fantasies, so her first children's/young-people's (and young-people's even) novellas in the 1890s and 1900s were realistic narratives, set in the world as we know it, involving young leads, and their adult guardians, travels, and the introduction of the young leads to real things from each country and science facts (effectively making her the "ancestor" of the line from the Uma Aventura/An Adventure books by Ana Maria Magalhães and Isabel Alçada). By the 1940s, older (and heavier; the text seems to insinuate that the Lady Round is an alter ego of the author's, as her Lady Krazy is an alter ego of her friend and English illustrator), changer her mind about that, considering the fantasy another level and form of truth, and hence considering acceptable the use of wondrous and of the unreal for older children and as form of amusement and also of learning on the difference real/unreal, being this her first work of fantasy since the debut work, following itself another one thus. 
Author photography and profile in an early-20th century magazine
It turns itself curious to notice how this evolution of the author's work started to give itself with the ideological evolution of herself while citisen: her first realistic young-people's adventure books came from her phase of liberal and cooperativist republicanism, afterwards following themselves to them narrative or essay-like patriotic fatherland's history books signaling her evolution unto the support of the republicsn rightwing and afterwards the Portuguese New State (starting in her historical popularising novellas the start of her yieldings about realism, although due more to the use of language rich on symbolism than for use of unreal wondrous proper), and her return to the fantasy mode comes in this book at the end of a phase of hers of almost "overtaking on the right lane" to the Portuguese New State (with approximation to the Nazi racialism) and of her second young-people's fantasy book, also with Dona Round, will come in the time-point of a suave break-up with the Portuguese New State and adoption of a certain philosophical anarchism still with room for patriotism and traditionalism. And it will be that that will take us to the controversial point of this text, but we shall get there...
Despite all this, Virginia de Castro e Almeida well does deserve to be still published and be in all the Portuguese school libraries, for the remarkable part that she had in the evolution of the Portuguese children's/young-people's literature. She was the first female or male writer that didn't limit one's self to record traditional tales, to write books of original children's tales, publish small volumes with just one short-story or to publish children's theatre or children's poetry, helping to boost the Portuguese children's/young-people's prose with originals, long ones (novellas and novels), and importing to Portugal the victorian and edwardian British adventure children's/young-people's and young-people's fiction model, onlu one or two decades after that literature model crystallising at the end of the victorian period and on the passage to the reign of the Queen Victoria's successor Edward VII, being the Englishwoman Edith Nesbit the main paralel to the Portuguese one (France adopted properly that model at the same time in which de Castro e Almeida brought it to Portugal: the Gaulish children's/children's & young-people's literature was dominated by long or short prose tending to the moralising of Catholic and traditional tale influence, with the more adventurous authors that today we associate to literature for youngungs like Jules Verne at the time being considered authors for grown-ups or, the farther, for young people, the chams between children's and "generic" literature being so big in France as here); who, following the British model, helped to create a golden mean between children's and grown-up literature (the vague concept children's-juvenile literature, and to create a "buffer" space between children's and adult literature, the young-people's literature) in Portugal was Virginia de Castro e Almeida, and to say all this helps to understand her literary quality, aiding one to understand that she is an author of stirred plots, language easy without being laxed, with exciting story and all that is expected out of the best children's/young-people's authors from the late 19th century and early 20th. Must recognise itself though that on lusophony, Virginia de Castro e Almeida had a precursor at the adoption of the anglo-saxonic model of children's/young-people's fantasy novella,the Brazilian Monteiro Lobato with A menina do narizinho arrebitado/"The Girl of the Little Turned-Up Nose" from 1922 (debut of Lucia "Little Nose" and launch of the book series about the Sítio do Picapau Amarelo/"Yellow Woodpecker Ranch-farm").
E. Nesbit and Monteiro Lobato
This book is set around Chico, a Portuguese youngster that goes around by bicycle on the forest of the West region of Portugal, dreaming with adventures hunting in Africa and alike, when he finds himself by chance with Dick and Franz, a redhead Englander and a blonde German, World War II refugees (it was 1942), and after a brief discussion with the Englander, the 3 become friends and leave through the backwood looking for pinecones (and pine-nuts) and perhaps for adventures. Well now the 3 find on top of a tree a younger child, a mulatta that goes by the name of Zipriti. Starting from here the book cannot help being complexed, seen that despite harmless, it gains here quite some subtext and clear elements that might irk one's self. Although from the beginning the trio be an ensemble of embodiments of the respective countries and of ensembles of stereotypical shortcomings and qualities of their peoples, this is harmless till europeanised Africa's embodiment enters the stage. But Zipriti is quite a relatively harmless character seen that the almost hyperactive personality of hers makes her interesting for the reader, and her age can excuse this as realistic characterization of a hyperactive child (despite not helping the seeing thus personified to Africa as younger and more childish than the 3 other countries personified by the white children).
Zipriti in the original illustrations
Much worse is when it comes-up an older black-man that works at Dona Redonda's house (a fat lady, round literally as only a ball can be who takes in the 4 kids as "her folk" at her house), Bonda, a figure almost as childish as Zipriti, who talks in way like her (less excusable on an adult), and we notice that the original illustrations represent Zipriti and Bonda as other "darky imageries" as we refered on the previous post. But worse maybe would really be what comes up in the "last act" of the novella: Dona Round at a certain point start laughing so much she looses her sense and falls to the ground and breaks herself into bits, literaly, breaking into many tiny Lady Rounds; and her friends guard all of them, and afterwards magicall are taken to a pathway for the salvation of Dona Round, against several challenges, and against each one, only one of the 4 (Chico, Dick, Franz and Dona Krazy, Bonda and Zipriti being left behind with the Pikis, the dogs of Dona Round, what also has certain "unfortunate implication" in terms of subtext) triumphs over the challenge in each one of them, the other 4 being defeated by it (depending on each one's personality), and the final challenge, overcome by Chico is one of humility (in agreement with the image of the Portuguese humble and of "dignified poverty) before an adversary that seems come out from a nazi caricature called «Isac, the King of the Misers». This one deserves even more a darn than Jobim's look fro' O Pretinho de Angola/"The Little Negro from Angola".
Well, aside all these questions, the book is strongly written in its genre for this age group, and it is quite easy to read and attractive, having several interesting sequences in which, after finding Zipriti, the three boys find themselves transported in time magically, assuming grown-up identities within those historical times, travelling to the conquest of Lisbon by King Don Alfonso Henriques, to the time of the Infant-prince Don Henry as wisemen that go to the School of Sagres to see the return of sailors, and other mishaps more comical and "humdrum". Like the book from the previous post, with revision of the illustrations and change in this case of Bonda's speak (Zipriti as a small child still doesn't go too far she talking so much on the third person, on a grown-up it gets bizarre), could be a popular read. This book is present in editions from the 1990s in almost all Portuguese municipal libraries, and this book and the same author's sequel come-up also at the Portuguese download website Luso Livros ("Luso Books"), besides having been edited in Barcelona a Castilian Spanish translation richly illustrated by the Spanish illustrator Jorge Ravassa Masoliver that seems to have been popular local young readers.
 
Cover of one 1990s edition and "modernised" cover from Luso Livros

Sem comentários:

Enviar um comentário